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A guitarra portuguesa de Marta Pereira da Costa recebeu o mundo na Casa da Música

Concertos - Maio 29, 2024
Quando falamos de guitarra portuguesa, o imaginário visualiza rostos e semblantes de homens, mas, talvez, a mais afamada intérprete da atualidade é uma mulher.

Casa da Música - Porto- 27/05/2024

De seu nome Marta Pereira da Costa, é alguém que se destaca, acima de tudo, pelas colaborações que tem feito, ao lado de nomes como os fadistas Camané, Carlos do Carmo, Mariza, Rodrigo Costa Félix (favor escutar “Fados de amor”, de 2013), o também guitarrista António Chainho, Mayra Andrade, Toquinho, Rui Veloso e até a banda de música tradicional Retimbrar.

Para o presente concerto, Pereira da Costa traz o projeto que gravou no ano passado, “Sem Palavras”, no qual procurou aliar o jazz trazido pelo piano, aos acordes da guitarra portuguesa. Isto do pouco que conseguimos ouvir, dado que o álbum só conheceu o público na véspera do concerto, algo que lamentamos.

No Porto, já havia atuado por várias ocasiões, em especial, na celebração do São João de 2019, em palco montado em plena baixa citadina. Neste caso, apresentou-se em nome próprio na Casa da Música, num ambiente híbrido, que deambula entre as habituais salas de concerto em que costuma atuar e os eventos oficiais de cariz diplomático, em que representa Portugal. Neste regresso aos grandes palcos portugueses, Pereira da Costa subiu ao palco com Mélon Lewis e com mais uma data de artistas, não somente músicos, para essa apresentação de “Sem Palavras”. Com a imagem, nomeadamente o xaile em forma de vestido, a cargo da estilista Constança Entrudo e com a presença do coreógrafo espanhol de ballet e de dança Enrique Perez-Cancio Cantero, fomos contemplados com um espetáculo enriquecido pelos deslumbrantes bailarinos da Companhia de Ballet Clássico de Leiria, provenientes do Conservatório Internacional de Dança Annarella Sanchez.

A lisboeta chegou, de início, a solo, interpretando um breve tema de fado para a plateia quase cheia de gente com uma indumentária devidamente aprumada para o concerto. Mesmo que muitos tenham chegado já para lá do início do concerto, ainda vieram a tempo de vê-la ao lado de Melon Lewis, a quem chamou, quando o apresentou, de génio e de um talento imenso que melhor corporiza o seu segundo instrumento de estima. Melon falou em espanhol e todos o entenderam, mas ainda melhor o entenderam quando o escutaram ao lado de Pereira da Costa. Foi uma musicalidade verdadeiramente retumbante e forte, munida de um bom gosto ao alcance de quem faz da música uma arte fina e trabalhada. Para quem a perdeu, nota para a gravação por parte da RTP deste concerto.

Foi assim que escutámos com alegria às interpretações das “Memórias” – um tema dedicado à avó da guitarrista -, das “Sem Palavras” – este para os filhos -, “Dia de Feira” – que foi repetido no fim e que o público adorou -, “Verdes Anos e Summertime” – o primeiro dos cinco temas que contou com os dançarinos em palco – ou “Aranjuez & Spain” – apresentado por Mélon Lewis como um reconhecimento da unidade e da grandiosidade da música, com base nos latinos Joaquin Rodrigo e Chick Corea. Não podemos deixar passar, de igual forma, o gosto que foi ouvir “Um Homem Na Cidade”, composta por José Luís Tinoco, ou o tema pandémico “Primeiro Passo”, já que foi composto por Pereira da Costa ao lado do piano de Alexandre Diniz, numa fase em que fez duetos com os membros do seu quinteto. “Tom Waits” e o derradeiro “Além-Terra”, que homenageia a mentoria de Mário Pacheco, abrem caminho a que não se esqueçam, do seu álbum de 2016, as visitas às músicas “Terra”, “Movimento” e “Minha Alma”.

Naquilo que se prende meramente com a execução, foi, de facto, uma prestação diferenciada e com uma musicalidade elegante e briosa. A missão de Marta Pereira da Costa é assumidamente a de abrir o mundo para a guitarra portuguesa, ao mesmo tempo que integra a guitarra portuguesa no mundo. Ora, com o sucesso que os seus constantes périplos granjeiam no seu percurso profissional, é certo que a missão está a ser cumprida. Nesta noite portuguesa, mesmo com um público que tinha o seu quê de poliglota, aclamou-se com vivacidade a personalidade musical de Pereira da Costa, que deslumbrou com a capacidade percussiva e até imaginativa que mostrou com as cordas. E se havia ceticismo em relação ao piano ao lado da guitarra portuguesa, eis senão quando Mélon Lewis exibiu a tal química da qual falou quando nos falou dos porquês de ter aceitado o convite de Pereira da Costa para gravar um disco. “Veinte Anos”, um tema tão latino e, especialmente, cubano, é um exemplo da sintonia de um pianista tão rítmico e virtuoso com uma guitarra portuguesa tão vivaz.

Nota para a prestação graciosa dos bailarinos que subiram ao palco da Sala Suggia, fazendo mais uma ponte entre o bailado e a dança e a música tida como mais popular e a quem Pereira da Costa agradeceu vivamente. Agradeceu, também, à presença dos pais e dos filhos, dos amigos e demais lisboetas que subiram ao norte, à costureira, ao coreógrafo, a quem lhe “cuida das mãos”, à produção, aos membros da promotora e a todos aqueles que a assistiram em palco.

Foi, visivelmente, uma noite emocionante e emotiva para Marta Pereira da Costa, que, por mais que percorra o mundo, tem as suas raízes bem assentes em solo português. O lugar da guitarra portuguesa vai transcendendo o fado e fazendo deste um lugar de pluralidade e de encontro(s) com outras realidades. É desta maneira que o fado tem crescido em inúmeras formas para inúmeras direções, com ou “Sem Palavras”. Com muito bom gosto, que está longe de ferir os mais conservadores, Marta Pereira da Costa trouxe mais mundo para a sua guitarra portuguesa e fá-lo-á bem para lá da Casa da Música.


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