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Marco Rodrigues: "A morte da minha mãe foi uma perda gigante, destruiu-me"

Interviews - Agosto 24, 2024
A última vez que conversámos com Marco Rodrigues foi em 2018. Tinha lançado há meia dúzia de meses o álbum Copo Meio Cheio.

Conciliava a profissão, que lhe exige muita dedicação, com o papel de pai de Bernardo, hoje com 8 anos, fruto de uma relação entretanto terminada. Desde então, muita coisa aconteceu. O fadista, de 42 anos, voltou a apaixonar-se, chorou a morte da mãe, a quem dedicou o álbum Judite, teve mais três filhos, Francisco, de 4 anos, e os gémeos Duarte e Dinis, de 2, passou por mais uma separação e enfrentou outra perda quando Carlos do Carmo, o homem que o fez apaixonar-se pelo fado, que alimentou o seu sonho de ser fadista e que se tornou, além de um grande mestre, um amigo, morreu, a 1 de janeiro de 2021. Uma figura incontornável que homenageia agora com Marco Rodrigues Canta Carlos do Carmo. Um trabalho que nos levou a pormos a conversa em dia. E como são seis anos para passar em revista, Marco disse estar por nossa conta. E esteve.

Depois da morte da sua mãe, em 2020, houve uma espécie de recomeço?


Marco Rodrigues – Houve um recomeço, mas um recomeço estranho. Não estava preparado para viver com a ausência da minha mãe. Morreu ainda não tinha 60 anos, com leucemia. Era o meu porto seguro, era a minha base. Eu e ela tivemos um percurso de luta. Morávamos em Arcos de Valdevez, e quando os meus pais se separaram, ela veio para Lisboa comigo, sem trabalho. Eu tinha 14 ou 15 anos. Cantava, mas não fado. Não tinha referências, não sabia nada sobre o assunto e foi ela quem me incentivou a abraçar este género musical, que me inscreveu na Grande Noite do Fado em 1999, concurso que acabei por ganhar. Foi uma lutadora e fez a vida dela em prol da minha.

Dedicou-lhe um disco. Numa das canções, Amar para Sofrer, canta: “E depois olhar nos olhos pra dizer/Do jeito que não se quer perder/De vista quem não se quer largar.” Olhou sempre a sua mãe nos olhos e disse-lhe tudo o que lhe ia na alma ou deixou alguma coisa por dizer?

– Não deixei nada por dizer. Se podemos dar sempre mais? Podemos. Houve alturas em que seguramente não fui justo, em que na adolescência fui um bocado egoísta. Mas eu tinha muito respeito, admiração e carinho por ela. E se houvesse situações em que tivesse de optar entre estar com ela ou fazer outras coisas, ela era a minha prioridade. Por isso, sinto-me tranquilo. No entanto, também sinto que ainda tinha muitas coisas para lhe dar.

Viver sem ela é uma espécie de caminhada no deserto?

– Uma grande caminhada, mesmo. A morte da minha mãe foi uma perda gigante, destruiu-me. A minha maior dor é não poder partilhar os meus filhos com ela, que nem sequer chegou a conhecer os três mais novos. Sei o bem que eles lhe fariam e o amor que ela teria para lhes dar. A partilha entre eles iria ser das coisas mais enriquecedoras do mundo. E isso, sim, é a minha maior tristeza.

Tem o mesmo relacionamento próximo com os seus filhos?

– Sim, próximo, diário. Com os quatro. O Bernardo é filho de uma primeira relação e está uma semana comigo e outra com a mãe. O Francisco, o Duarte e o Dinis vivem com a mãe, de quem já estou separado, mas estou com eles todos os dias. Os meus filhos são o que de mais inacreditável tenho na vida. Com eles conheci o amor incondicional, que até então não sabia sequer o que era. São a minha sorte grande.

Essas relações com as mães dos seus filhos terminaram. Sente que foram projetos falhados?

– Falharam porque não estão a acontecer, mas a maior falha de uma relação é mantê-la quando já não funciona só porque existem filhos. Ficar numa relação em que as discussões acabam por se tornar inevitáveis e o mal-estar por se instalar é uma “doença” que as pessoas preferem alimentar em vez de limparem essa toxicidade da sua própria vida e da das crianças. E os filhos só sofrem com a separação se a mãe e o pai não forem competentes. Eu não sinto que algum dos meus filhos neste momento tenha necessidade de voltar a ver os pais juntos. Eles veem que os pais têm uma relação saudável, que não houve um momento em que um ou outro estivesse menos presente ou menos atento às necessidades deles. Sabem que têm pais que têm como prioridade protegê-los. Eles foram muito desejados.

Continua a acreditar no amor? Numa união para a vida toda?

– Acredito sim. Às vezes as coisas não funcionaram por falta de maturidade, ou por maturidade a mais, ou porque o período de vida em que as pessoas se juntaram não era a altura certa por algum motivo. Agora continuar a acreditar no amor? Claro que sim.

Bom, focando-nos no que nos trouxe aqui: o seu mais recente trabalho, Marco Rodrigues Canta Carlos do Carmo. É uma homenagem à altura do mestre?

– Não sei. Sei que é a minha homenagem ao mestre. Até à morte do Carlos todos os meus discos foram ouvidos por ele antes de estarem prontos, cheguei a fazer alterações e arranjos porque ele me aconselhava a fazê-lo. Para mim fazia sentido homenagear a pessoa que mais me deu profissionalmente, que mais me ajudou a evoluir enquanto intérprete, que fez com que me apaixonasse pelo fado. Este disco não é só mais um disco. Teve de ter uma série de cuidados que num disco meu não tenho necessariamente.

Uma coisa é ter o disco fechado a sete chaves, outra é passar a ser património público. Houve um nervoso miudinho para saber o feedback?

– Não. Tenho a certeza de que está feito com muito cuidado, tenho a certeza de que os arranjos do Luís Figueiredo são incríveis. Queríamos que o disco fosse charmoso, musicalmente requintado, como era o Carlos do Carmo, e todos os temas foram trabalhados com esse cuidado.

Tem uma carreira sólida de mais de 20 anos. Foi difícil chegar aqui?

– Sinto-me feliz com o meu percurso, mas ainda tenho muitas coisas para conquistar.

É caso para dizer: “O tempo não espera pela gente”, como canta em O Tempo, um dos seus temas mais conhecidos?

– Mesmo. É preciso agarrá-lo, vivê-lo intensamente. Por vezes é preciso tomar decisões, fazer mudanças, para se conseguir que esse tempo valha a pena. Quero viver de forma leve, quero que os meus filhos sejam felizes e saudáveis. E enquanto assim for, está tudo certo.


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