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Guitarra portuguesa: a história, a construção, a importância e o futuro

Tudo isto é fado! - Fevereiro 20, 2025
Guitarra ou Cítara

Para o guitarrista e também construtor e investigador Pedro Caldeira Cabral do ponto de vista da organologia musical (disciplina científica que estuda os instrumentos musicais), “resulta um contra-senso chamar Guitarra à nossa Cítara”. Por razões históricas e científicas que esclareceu através dos estudos que realizou e publicou ao longo de mais de 40 anos, decidiu, a partir de 2019, regressar à designação de Cítara, usada em Portugal e na Europa, desde o século XVI ao século XX.

Interrogado sobre aquilo que este instrumento tem de tão especial, o artista aponta para as características tímbricas, a afinação especial herdada e conservada desde o século XVI e a técnica de execução particular, combinando o “dedilho” e a “figueta” (designações já usadas em c.1530), que conferem uma identidade própria a este cordofone, “facilmente reconhecível por melómanos de qualquer parte do mundo”.

A primeira Cítara que recebeu foi-lhe oferecida pelo pai quando tinha 10 anos. “Trata-se de um instrumento do famoso violeiro portuense António Duarte que tinha sido oferecido ao meu avô paterno, um médico-cirurgião otorrinolaringologista que havia operado com êxito a celebrada cantora Adelina Fernandes e esta, como gesto de gratidão, ofereceu-lhe o instrumento”.

Anatomia do instrumento

Segundo Pedro Caldeira Cabral, a Cítara Portuguesa é um cordofone de mão, de cordas metálicas, cujo sistema construtivo, o funcionamento mecânico e vibro-acústico e a afinação pouco mudaram nos últimos 500 anos.

“Podemos recuar até ao século III da nossa Era e encontrar as primeiras cítaras Coptas no Egipto, difundidas mais tarde pelos Romanos por toda a europa mediterrânica”, explica detalhando que estas “tinham o corpo escavado numa peça de Cedro do Líbano e um tampo harmónico colado sobre a caixa de ressonância, com pequenas aberturas circulares, o cavalete era móvel (peça determinante do mecanismo vibro-acústico) como ainda hoje sucede”. Durante a Idade-Média, o instrumento sofre algumas modificações na forma do corpo e no material das cordas (ferro, bronze e prata) “mas mantém a afinação peculiar e a técnica de plectro (ou palheta, feita de uma pena de ganso) que duraria até aos nossos dias”. “Em Portugal são referidos dois modelos de cítara, chamados Cítola e Citolão, associados ao movimento trovadoresco e cultivados nas cortes ibéricas de D.Afonso X de Leão e Castela e do seu neto, o Rei D.Dinis”, continua o especialista.

Tal como Óscar Cardoso, Pedro Caldeira Cabral acredita que existem apenas dois modelos em uso – o de Lisboa e o de Coimbra – cujas diferenças principais residem “no sistema construtivo, nas dimensões da caixa de ressonância, no comprimento da corda vibrante e nas opções técnicas e estilísticas das quais resultam opções expressivas adaptadas aos repertórios populares neles executados”. “Na Cítara do modelo de Coimbra, a afinação é igual à do modelo de Lisboa mas realizada num intervalo de segunda maior abaixo. O comprimento de corda vibrante é geralmente de 470 mm. No modelo de Lisboa, com afinação mais aguda, o comprimento da corda vibrante é de 440 mm”, detalha o músico.

No que toca às madeiras utilizadas, de acordo com Pedro Caldeira Cabral, tradicionalmente, nos modelos de construção “mais refinada e mais cara”, usava-se o Pau-santo, o Acer, o Vinhático e o Mogno para a construção do fundo e ilhargas da caixa de ressonância. Para o tampo harmónico usa-se preferencialmente o Espruce ou a Casquinha. Para o braço, nos melhores instrumentos usa-se o Mogno, a Cedrela ou o Sapeli. “Para além destas espécies exóticas, usam-se, nos instrumentos de factura mais modesta, as madeiras nacionais como a Nogueira, o Plátano e para o braço, o Amieiro e a Tília”, completa.

Presente e futuro

Para o especialista, vivemos tempos de grande incerteza e de grande mudança nos hábitos de fruição cultural. “E a experiência colectiva da escuta musical tem sido drasticamente desvalorizada pelo acesso fácil e quase gratuito, através das plataformas de streaming, dos acessórios portáteis e da avassaladora presença da poluição sonora”, lamenta, acrescentando que a programação cultural, “outrora da responsabilidade de instituições públicas e privadas com objetivos definidos de partilha democrática de conteúdos, está praticamente esvaziada de sentido”.

No entanto, refere, há hoje uma forte dinâmica nas novas geração de compositores eruditos e populares, com provas dadas e que compõe um novo repertório para a Cítara Portuguesa, “com utilização de linguagens contemporâneas (Ricardo Rocha), em combinação com técnicas modernas de manipulação electrónica (Hugo Vasco Reis e Miguel Amaral) ou seguem fielmente as tradições regionais de Coimbra (Paulo Soares, Bruno Costa, Henrique Fraga e Simão Mota, entre muitos outros) ou executam o repertório solístico da tradição de Lisboa (José Manuel Neto, Bernardo Couto, Luis Guerreiro, Ângelo Freire, Gaspar Varela, etc.)”.

“As novas formas de divulgação desta prática musical, combinadas com a rentabilidade económica da indústria turística, têm possibilitado o desenvolvimento sustentável da atividade artística, associada ao Fado, nas casas, esplanadas e restaurantes típicos das cidades de Lisboa e do Porto”, revela. Por isso, sublinha, podemos afirmar que “o legado patrimonial da Cítara Portuguesa, apesar de pouco valorizado socialmente, não apresenta nenhum perigo de extinção nos próximos tempos, apesar da incerta mudança de paradigmas culturais que atualmente vivemos”.

Sobre o público que encontra nos seus concertos, conforme os contextos, é maioritariamente constituído por pessoas maiores de 60 anos “que ainda têm hábitos auditivos e encontram algum prazer na escuta das subtilezas da performance musical”. No entanto, também há alguns jovens que assistem, “sobretudo os que têm alguma ligação à música prática ou são executantes da cítara portuguesa”. “O ensino da Cítara faz-se hoje em escolas e em todos os graus, do primário ao politécnico, de forma integrada ou supletiva”, adianta.
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