Aldina Duarte - Apenas o amor
Discos - Novembro 13, 2006
Fabuloso é adjectivo que não pode deixar de saltar à boca,
do coração, quando «no silêncio outra
voz/ ao lado duma canção/ repartida entre nós/ tem a força duma oração».
No
clássico Fado Solene de Alberto
Correia, aqui chamado de A Voz do
Silêncio. A lágrima que grita violentamente por entre as paredes vazias de
pessoas. Num socorro sufocado. Em desalma. Em inutilidade de mãos: prende o
polícia-Amor.
As linhas de mar galgam as bibliotecas à beira-mar. Soterram-nas «na memória de uma voz triste». E morrem os retratos nas contracapas dos livros muito grossos, de enciclopédias de literatura. E nós com eles: afundamo-nos, subversivos à vida, numa morte heróica, declarada – numa morte pura e inflamada! E se me dói respirar a água, depressa encontro as palavras do poema que me devolve o sorriso. Insurrecto. E percorrem-me «as serpentes nos meus braços», do Mar dos Sargaços, de Cesariny; ou sou mesmo o mar de sargaço de Pessoa: «Um mar onde bóiam lentos/ Fragmentos de um mar de além.../ Vontades ou pensamentos?»
Aldina Duarte é penetrar irreparavelmente na Mouraria, em Alfama. Esta estreia, doce e ironicamente apelidada de Apenas o Amor, faz-me questionar os discos ali, mais ao lado, de Mariza e Cristina Branco – chega-me Amália ao nariz, letalmente. E há cá coisas que não se explicam. Ou explicar-se-iam, mas não quero: isto de andar a dissecar o Amor tem que se lhe diga e a morte bate muitas vezes à porta, e perco-me nas mãos. Perder-me-ia, certamente. E desatava a correr ao embalo desta voz insurgida, e amarra-a com a força das coisas que nos morrem nas mãos. E era na boca que a beijava antes que lhe tomasse o frio.
Não me devolvas a alma, meu Amor. Segura-a nas noites, nas estrelas imensas que brilham o mundo. E será no perfume das flores que nos encontraremos. Nas plantadas pela maresia e pelos crepúsculos. Falaremos no barulho das ondas. Na imensidão, erradicaremos a saudade, e «numa sombra recortada/ pelo chão vazio e duro» deixaremos voar «a saia amarrotada/ de cetim de rosa escuro». Porque mesmo que «na verdade mais sentida/ pequena se torna a vida/ de quem perde uma saudade», «há um quê d’amor perdido/ uma história por contar/ dum desejo proibido».
2004 não foi tarde: talvez o cedo fosse a ruína desta obra-mestra. «Ter a nossa vida na mão é uma responsabilidade. Mexer com a vida dos outros é uma grande responsabilidade. Porque acredito que o Fado, como as outras artes, pode mudar a vida das pessoas tal como mudou a minha, desde as mais pequenas até às grandes coisas, não tinha mesmo outro remédio senão gravar um disco assim», escreveu Aldina Duarte. E, amordacem-me, nada posso acrescentar.
As linhas de mar galgam as bibliotecas à beira-mar. Soterram-nas «na memória de uma voz triste». E morrem os retratos nas contracapas dos livros muito grossos, de enciclopédias de literatura. E nós com eles: afundamo-nos, subversivos à vida, numa morte heróica, declarada – numa morte pura e inflamada! E se me dói respirar a água, depressa encontro as palavras do poema que me devolve o sorriso. Insurrecto. E percorrem-me «as serpentes nos meus braços», do Mar dos Sargaços, de Cesariny; ou sou mesmo o mar de sargaço de Pessoa: «Um mar onde bóiam lentos/ Fragmentos de um mar de além.../ Vontades ou pensamentos?»
Aldina Duarte é penetrar irreparavelmente na Mouraria, em Alfama. Esta estreia, doce e ironicamente apelidada de Apenas o Amor, faz-me questionar os discos ali, mais ao lado, de Mariza e Cristina Branco – chega-me Amália ao nariz, letalmente. E há cá coisas que não se explicam. Ou explicar-se-iam, mas não quero: isto de andar a dissecar o Amor tem que se lhe diga e a morte bate muitas vezes à porta, e perco-me nas mãos. Perder-me-ia, certamente. E desatava a correr ao embalo desta voz insurgida, e amarra-a com a força das coisas que nos morrem nas mãos. E era na boca que a beijava antes que lhe tomasse o frio.
Não me devolvas a alma, meu Amor. Segura-a nas noites, nas estrelas imensas que brilham o mundo. E será no perfume das flores que nos encontraremos. Nas plantadas pela maresia e pelos crepúsculos. Falaremos no barulho das ondas. Na imensidão, erradicaremos a saudade, e «numa sombra recortada/ pelo chão vazio e duro» deixaremos voar «a saia amarrotada/ de cetim de rosa escuro». Porque mesmo que «na verdade mais sentida/ pequena se torna a vida/ de quem perde uma saudade», «há um quê d’amor perdido/ uma história por contar/ dum desejo proibido».
2004 não foi tarde: talvez o cedo fosse a ruína desta obra-mestra. «Ter a nossa vida na mão é uma responsabilidade. Mexer com a vida dos outros é uma grande responsabilidade. Porque acredito que o Fado, como as outras artes, pode mudar a vida das pessoas tal como mudou a minha, desde as mais pequenas até às grandes coisas, não tinha mesmo outro remédio senão gravar um disco assim», escreveu Aldina Duarte. E, amordacem-me, nada posso acrescentar.
Hugo Torres
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