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Camané: "O fado não é um bicho de sete cabeças"

Entrevistas - Novembro 04, 2008
Canta o fado como poucos, mas vai ainda mais longe, atraindo ouvidos tradicionalmente arredados da canção nacional. Camané não teve segredos com a BLITZ.   Fazer os links pro body begin st_tag_body O ano corre bem a Camané. Sempre de Mim , o seu quinto álbum, tem escalado com agilidade as tabelas de vendas e já é Disco de Ouro, por mais de 10 mil cópias vendidas. A agenda do fadista também não tem muitas páginas em branco: daqui até ao final do ano há muitos concertos marcados, incluindo a aguardada estreia no Coliseu do Porto, em Novembro.

Nada disto amedronta Carlos Manuel Moutinho Paiva dos Santos, nascido há 41 anos em Oeiras e cada vez mais apaixonado por Lisboa. "O facto de dar o meu melhor, de ter esta consciência e aceitar as coisas dá-me uma liberdade enorme para criar o meu trabalho e ser cada vez melhor", garante sereno, perto do final da entrevista. Desde o primeiro encontro com o fado, ainda criança, ao misto de prazer e dor que sente em palco, o homem que este ano pôs o Sudoeste em silêncio não se encolhe, e responde a tudo. À sua frente na mesa de café, dezenas de minúsculos papelinhos são o que resta do pacotinho de açúcar que vai destruindo ao longo da conversa com a BLITZ.

Em criança ficou doente e ouviu todos os discos de fado que os seus pais tinham em casa. Foi um acaso ou um chamamento?

Foi um acaso, mas não totalmente. O meu pai e a minha mãe trauteavam fado em casa, à guitarra, e às vezes o meu bisavô cantava fado. O meu avô também. Já tinha uma pequena referência. Mas como estive doente e já tinha ouvido os discos todos que tinha - um single dos Beatles, um LP do Aznavour e um do Frank Sinatra - comecei a ouvir fado, e de repente ouvi toda a gente! Estava em casa, não conseguia ficar parado e gostava imenso de ouvir música. Tinha para aí sete anos e foi aí assimilei essa característica que tem a ver com o fado.

Foi aí que começou a cantar?

Não, já tinha ido para coros... mas não tinha jeito nenhum. Achavam a minha voz... não era estridente, mas que se distinguia demasiado das outras pessoas. Eu próprio não era nada disciplinado, não valia a pena. Um dia tive uma ideia e fui a uma casa de fados com os meus pais. Falei com os músicos, pedi para tirar as sonoridades e cantei pela primeira vez um fado. As pessoas gostaram imenso... Nessa altura havia aqueles poetas populares das colectividades onde os meus pais costumavam ir ao fim-de-semana. Faziam fados a falar da escola, da mãe e do pai, e eu construía os meus próprios fados nessa altura, com 9 ou 10 anos. Em vez de cantar os fados que os adultos cantavam e não tinham nada a ver com a minha idade, cantava aqueles fados, e isto já era um trabalho de construção, de imaginação minha.

Depois ganhou a Grande Noite do Fado, aos 11 anos. Ainda se lembra de subir ao palco do Coliseu nessa noite?

Lembro-me que uns amigos dos meus pais me disseram: é muito giro, vais cantar para muita gente. Eu não sabia que era um concurso, sequer. Mas lembro-me de entrar no palco: tinha 11 anos e de repente estavam lá milhares de pessoas. O Coliseu naquela altura eram seis mil pessoas de lotação e deixavam entrar mais gente, ficava muita gente de pé ou sentada por todo o lado ... Era daquelas noites longas, até às 9h ou 10h da manhã. Eu cantei, mas lembro-me de ter as pernas a tremer e de estar cheio de medo. Mas lembro-me de não ter quebrado com o medo. Lembro-me de ao mesmo tempo sentir um misto de sofrimento, de medo... Acho que ainda hoje é assim. Há ali um lado de medo, de sacrifício, de contenção, uma série de coisas que são importantes. Quanto mais sacrifício mais as coisas acontecem, mais bonito e melhor se pode ser, crescer, isso tudo. Não acho que o palco seja um momento só de prazer. Para mim não é. É um momento em que tudo passa por nós, um momento em que conseguimos, através de muita humildade, não deixar que os nossos medos e orgulhos [levem a melhor]. Temos de sair o mais possível de nós para conseguirmos dar o melhor às pessoas que estão a ouvir.



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