As tradicionais capelas dos fadistas vadios
"O fado vadio é o mais bonito e é aquele que se canta com o coração". A afirmação soltou-se da boca de Jorge Costa, 49 anos, nascido e criado em Alfama, onde toda a gente o conhece como "fadista vadio". É um dos muitos que abundam por Lisboa e que saltitam de poiso em poiso para cantar aquela música triste que encanta quem a ouve.
Há, no entanto, uma dúvida que, amiúde, se apodera de muita gente: onde é que em Lisboa se pode ouvir o fado vadio, isto é, o fado amador? Ou seja: que alternativas existem às convencionais casas de fado, que não raras vezes praticam uma política de preços incompatível com a bolsa da maioria dos portugueses? Ora, em tascas, cafés e algumas colectividades que se dedicam com alma e coração a sessões de fado, onde não existe a obrigatoriedade de o espectador pagar uma refeição.
Jorge, o "fadista vadio", assume que sempre que o convidam também canta em certos restaurantes, mas faz questão de sublinhar que casas conceituadas como "A Baiuca" ou "A Mesa de Frades", ambas em Alfama, não são, ao contrário de outras, "apenas para as elites".
"O que interessa é que haja capelas para o fado vadio", diz ao Jorge, o chapéu de trovador cravado na cabeça. Em Alfama toda a gente o conhece. Poucos são aqueles que nunca o ouviram. "Nunca me ensinaram o fado e nunca o aprendi", assegura. "Ele nasceu comigo, é um fado pobre", prossegue, antes de repetir, vezes sem conta, a sua frase de eleição: "Eu não canto o fado, eu rezo o fado".
"É um desabafo", prossegue, frisando que não raras vezes, para conseguir enfrentar o público, "é preciso ter lata, peito e estômago". E, pelos vistos, é preciso saber deixar-se conduzir pela espontaneidade do que não se combina, cantar onde calha, onde quer que o improviso surja.
Não muito longe de Alfama, algumas centenas de metros acima, todos as tardes de fins de semana há um sururu à porta de uma tasca na zona do Largo da Graça. É a Tasca do Jaime, exíguo café com capacidade para umas 20 pessoas, que se tem tornado numa respeitável Meca para todos aqueles que nutrem prazer em testemunhar algum do fado mais humilde e genuíno que por cá se faz. A Tasca é um sucesso. As pessoas amontoam-se lá dentro e acabam por transbordar porta fora, pelo passeio da Rua da Graça, provocando o espanto de alguns transeuntes que por ali passam.
"Isto começou por brincadeira", conta Laura Nunes, que com o seu marido Jaime Candeias - o "Jaime", está claro! - gere a Tasca. "As pessoas viram uma guitarra na montra e um dia pediram-nos para cantar. Depois, começaram a passar palavra e a aparecer e isto acabou por acontecer sem sabermos bem como".
O público que lá vai é gente simples das redondezas, que ali encontra uma boa casa para ouvir fado enquanto bebe uma "mini". Mas não só: de há uns tempos para cá, não há sábado nem domingo que não conte com a presença de estrangeiros. "Muitos são estudantes de Erasmus", garante a proprietária.
A juventude portuguesa também não falta, claro está, seguramente seduzida pela política de baixos preços da casa e pelas actuações contagiantes de fadistas como Álvaro Rodrigues, de 87 anos, ou Fernanda Proença, "mais conhecida por 'Pimpona'", como faz questão de sublinhar Laura Nunes.
As frequentes enchentes da Tasca levaram o casal proprietário a editar dois CD com a participação de seis fadistas. Laura Nunes afirma que a experiência da edição dos CD ainda não se revelou uma rentável, dando a entender, todavia, que por ali o mais importante é a paixão pelo fado vadio, a começar pela que move o seu marido. "O Jaime Candeias é o mais fanático de todos", diz, entre risos.
Para além do circuito de tascas ou cafés, é possível ouvir-se fado vadio em certas colectividades lisboetas. Contudo, quase nenhuma apresenta uma programação assídua ou regular, o que coloca certas dificuldades em perceber quando e onde se pode presenciar uma sessão. Mas em Marvila, por exemplo, o Clube Lisboa Amigos do Fado garante que todos os domingos, partir das 16 horas, vibram as guitarras e as vozes dos fadistas amadores.
"Aqui só se canta aquele fado genuíno e é garantido que todas as pessoas saem satisfeitas", assevera Armando Tavares, presidente da colectividade. Ao contrário das casas de fado, não há consumo obrigatório. "Isto só funciona por causa da nossa carolice", sintetiza o lisboeta.
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