A Mesa que serve Fado
Pedro de Castro, de 31 anos, é o proprietário do espaço há cerca de três anos e meio. Manuseia a guitarra portuguesa com a agilidade e mestria de quem nasceu com essa vocação prescrita. E o respeito que lhe tem fá-lo repudiar a ideia de a pendurar em paredes, algo que tipifica a imagem das casas de fado. "Quando peguei neste negócio fiz uma lista do que não gostava em outros locais", sublinha. Como tal, decretou embargo a xailes, chouriços assados e caldo verde.
Os antigos azulejos que r dentro revestem as paredes do exíguo restaurante, contrastando com a impressionante massa humana, sobretudo de uma jovem geração, que ali se reúne todas as noites - quase como quem vai a uma missa tardia - deixa adivinhar um passado religioso. Pois que aquele restaurante já foi, outrora, "uma igreja", lembra Pedro. Aliás, enquadra-se numa capela setecentista, cuja acústica é a ideal para dar voz a sentimentos. Tem um clube de fiéis devotos, entre eles, bastantes figuras públicas, mas é nos alicerces da descontracção alimentada pelos elos de amizade que marina a ambiência da casa. Ou melhor, "da minha sala de estar", frisa Pedro.
Ora, vestir o fado com nova roupagem e num contexto acolhedor é o intento. O boicote a preços elevados não invalida que se sirvam apetitosas iguarias de referência lusa. Se o bacalhau é protagonista no arroz, ou nas pataniscas, a massa de cherne é o ex-líbris. Para Pedro, urge varrer a figura ventilada do fado como expressão de sofrimento. "É uma representação do que se sente, sem rótulos".
Chama à Mesa de Frades "cantinho para a comunidade de fadistas ir quando cessam as obrigações". Todavia, há regras. "Ninguém pede autógrafos ou a quem quer que seja para cantar".
E eis que cerca da meia-noite, se afinam os instrumentos, e num lugar onde caberiam 30 pessoas, se juntam 100. Depois, o fado é rei. Às segundas-feiras, o trono pertence a Ricardo Ribeiro. Pela noite fora, sem hora marcada, apenas a da vontade.