Os Músicos do Tejo - Sementes do Fado
Discos - Agosto 11, 2009
Marcos Magalhães, Ana
Quintans e Ricardo Rocha: é esta a formação
do grupo Os Músicos do Tejo que nos apresenta o disco "As Sementes do
Fado"...
"As Sementes do
Fado" é abordagem livre às modinhas de finais do séc. XVIII e
princípios do XIX (reinados de D. Maria I e D. João VI). Segundo alguns
reputados estudiosos, a modinha luso-brasileira é uma das influências
remotas do fado e daí o título escolhido para o álbum.
Tal como no fado, os temas dominantes das modinhas são o amor, a dor e a melancolia. Foram não só cantadas em meios populares como nos teatros e salões da aristocracia e burguesia. E foi pelo facto de terem sido anotadas em partituras que alguns dos seus melhores espécimes chegaram intactos até aos nossos dias.
A ideia do disco surgiu quando Marcos Magalhães leu a obra "Para Uma História do Fado", de Rui Vieira Nery: "Ele fala das modinhas como o ascendente mais antigo do fado e desmonta algumas ideias mais antigas como a de que o fado viria do tempo dos Descobrimentos", diz o cravista, em entrevista concedida a Pedro Boléo (in "Público": Suplemento "Ípsilon", 28.12.2007).
Marcos Magalhães mete então mãos a uma aturada investigação e depressa se apercebe que as modinhas eram algo mais que as peças ligeiras e sem grande interesse, como antes julgava: "Foi um encontro que nos fez ver as modinhas de outra maneira. Este disco é uma tentativa de tirar as modinhas do museu." Havia, contudo, um problema: as partituras apresentam os acompanhamentos de forma muito esquemática, com apenas algumas notas fundamentais.
Nem sequer se trata do baixo contínuo, o acompanhamento típico do barroco, que era improvisado a partir das notas graves e cifras que estruturam a harmonia. "O que fizemos foi não ligar a esse acompanhamento mas usar a base harmónica e fazer um acompanhamento improvisado a meio caminho entre o baixo contínuo e o fado", explica Marcos Magalhães.
Já Ricardo Rocha refere: "Puxei um bocadinho para a balada de Coimbra, no ritmo e na linha melódica." Por seu lado, a cantora Ana Quintans, que nunca cantou fado, afirma que o propósito dos Músicos do Tejo foi "revisitar e transformar as modinhas, cruzando um interpretação barroca com o universo do fado. Tinha cantado modinhas com cravo, mas a sonoridade da guitarra portuguesa obriga a uma atitude diferente.
A ideia era cantar da forma mais natural possível." (ibidem).
Com produção e direcção artística de Marcos Magalhães, o CD "As Sementes do Fado" é composto por dezoito temas, entre modinhas e peças instrumentais (...).
Em recensão crítica ao disco, Pedro Boléo escreveu: «A modinha é uma das formas musicais que se pensa estar na origem do fado. Mas este não é um disco de fado – trata-se antes de um projecto de música barroca, com algumas características pouco comuns. Antes de mais, a combinação de instrumentos – cravo e guitarra portuguesa -, para além da voz de Ana Quintans, uma das melhores cantoras das novas gerações.
Os intérpretes tem todos eles pouco mais de trinta anos. Esta edição de autor é sinal de uma dinâmica extremamente importante na música portuguesa de qualidade. Marcos Magalhães, cravista e grande impulsionador do projecto, é o responsável pela direcção artística e por grande parte do trabalho técnico de montagem e edição.
Recriam-se nesta gravação certos ambientes musicais cultivados pela aristocracia e burguesia ascendente da segunda metade do século XVIII e inícios do século XIX. A modinha luso-brasileira era também uma canção popular, transmitida oralmente. A maior parte das partituras que chegarem até nós correspondem no entanto a um repertório mais erudito, praticado nos teatros e salões da época.
Mas este disco é mais do que uma curiosidade ou uma recuperação de um repertório que teve uma larguíssima difusão nos finais de Oitocentos e que hoje está bastante esquecido. Para além da divulgação e gravação de algumas modinhas pela primeira vez, propõe-nos uma reinvenção e uma recriação da modinha, aliando rigor e reflexão histórica a uma liberdade interpretativa contagiante (onde também há espaço para a improvisação e a ornamentação, como havia na música desta época).
Graças à qualidade dos intérpretes e ao seu gesto criativo, a gravação ultrapassa em muito a mera reconstituição histórica, para nos apresentar um fresco ponto de vista sobre este antepassado do fado. Não há aqui apenas modinhas: podemos ouvir ainda outras peças para cravo e guitarra do período barroco (uma sonata para cravo de Carlos Seixas tocada de um ponto de vista muito pouco habitual, ou um andamento de uma tocata de António Silva Leite, por exemplo).
Nas modinhas há uma interessante fusão dos timbres do cravo e da guitarra que suportam as qualidades vocais de Quintans. Nalgumas peças estamos na fronteira da ópera, como em "Cosi dolce amante sposo", de Marcos Portugal, ou no dueto "Amor concedeum’um prémio" (com a voz "dupla" da soprano). A voz ágil de Quintans, longe de pretender fazer uma abordagem "fadista" das peças, é especialmente adequada e expressiva numa modinha como "Frescas praias do Barreiro" ou na dramática faixa de abertura "Foi por mim, foi pela sorte".
A forma como canta em português, com uma dicção cuidada e algum virtuosismo nas partes mais agudas e ornamentais é a prova de que o preconceito na música erudita em relação à língua portuguesa não faz sentido – desde que se compreenda a especificidade da língua em que se canta. Marcos Magalhães e Ricardo Rocha conseguem um grande equilíbrio tímbrico e mostram, nas passagens mais simples como em alguns momentos de maior virtuosismo, uma frescura interpretativa incomum.
Este disco tem a importância de revelar um projecto original e ousado no panorama da nossa edição discográfica e no campo da música barroca. É, para além disso, um objecto muito cuidado (incluindo também um texto de Rui Vieira Nery que contextualiza as obras social e historicamente) e extremamente inventivo.» Pedro Boléo, in "Público": Suplemento "Ípsilon"
Tal como no fado, os temas dominantes das modinhas são o amor, a dor e a melancolia. Foram não só cantadas em meios populares como nos teatros e salões da aristocracia e burguesia. E foi pelo facto de terem sido anotadas em partituras que alguns dos seus melhores espécimes chegaram intactos até aos nossos dias.
A ideia do disco surgiu quando Marcos Magalhães leu a obra "Para Uma História do Fado", de Rui Vieira Nery: "Ele fala das modinhas como o ascendente mais antigo do fado e desmonta algumas ideias mais antigas como a de que o fado viria do tempo dos Descobrimentos", diz o cravista, em entrevista concedida a Pedro Boléo (in "Público": Suplemento "Ípsilon", 28.12.2007).
Marcos Magalhães mete então mãos a uma aturada investigação e depressa se apercebe que as modinhas eram algo mais que as peças ligeiras e sem grande interesse, como antes julgava: "Foi um encontro que nos fez ver as modinhas de outra maneira. Este disco é uma tentativa de tirar as modinhas do museu." Havia, contudo, um problema: as partituras apresentam os acompanhamentos de forma muito esquemática, com apenas algumas notas fundamentais.
Nem sequer se trata do baixo contínuo, o acompanhamento típico do barroco, que era improvisado a partir das notas graves e cifras que estruturam a harmonia. "O que fizemos foi não ligar a esse acompanhamento mas usar a base harmónica e fazer um acompanhamento improvisado a meio caminho entre o baixo contínuo e o fado", explica Marcos Magalhães.
Já Ricardo Rocha refere: "Puxei um bocadinho para a balada de Coimbra, no ritmo e na linha melódica." Por seu lado, a cantora Ana Quintans, que nunca cantou fado, afirma que o propósito dos Músicos do Tejo foi "revisitar e transformar as modinhas, cruzando um interpretação barroca com o universo do fado. Tinha cantado modinhas com cravo, mas a sonoridade da guitarra portuguesa obriga a uma atitude diferente.
A ideia era cantar da forma mais natural possível." (ibidem).
Com produção e direcção artística de Marcos Magalhães, o CD "As Sementes do Fado" é composto por dezoito temas, entre modinhas e peças instrumentais (...).
Em recensão crítica ao disco, Pedro Boléo escreveu: «A modinha é uma das formas musicais que se pensa estar na origem do fado. Mas este não é um disco de fado – trata-se antes de um projecto de música barroca, com algumas características pouco comuns. Antes de mais, a combinação de instrumentos – cravo e guitarra portuguesa -, para além da voz de Ana Quintans, uma das melhores cantoras das novas gerações.
Os intérpretes tem todos eles pouco mais de trinta anos. Esta edição de autor é sinal de uma dinâmica extremamente importante na música portuguesa de qualidade. Marcos Magalhães, cravista e grande impulsionador do projecto, é o responsável pela direcção artística e por grande parte do trabalho técnico de montagem e edição.
Recriam-se nesta gravação certos ambientes musicais cultivados pela aristocracia e burguesia ascendente da segunda metade do século XVIII e inícios do século XIX. A modinha luso-brasileira era também uma canção popular, transmitida oralmente. A maior parte das partituras que chegarem até nós correspondem no entanto a um repertório mais erudito, praticado nos teatros e salões da época.
Mas este disco é mais do que uma curiosidade ou uma recuperação de um repertório que teve uma larguíssima difusão nos finais de Oitocentos e que hoje está bastante esquecido. Para além da divulgação e gravação de algumas modinhas pela primeira vez, propõe-nos uma reinvenção e uma recriação da modinha, aliando rigor e reflexão histórica a uma liberdade interpretativa contagiante (onde também há espaço para a improvisação e a ornamentação, como havia na música desta época).
Graças à qualidade dos intérpretes e ao seu gesto criativo, a gravação ultrapassa em muito a mera reconstituição histórica, para nos apresentar um fresco ponto de vista sobre este antepassado do fado. Não há aqui apenas modinhas: podemos ouvir ainda outras peças para cravo e guitarra do período barroco (uma sonata para cravo de Carlos Seixas tocada de um ponto de vista muito pouco habitual, ou um andamento de uma tocata de António Silva Leite, por exemplo).
Nas modinhas há uma interessante fusão dos timbres do cravo e da guitarra que suportam as qualidades vocais de Quintans. Nalgumas peças estamos na fronteira da ópera, como em "Cosi dolce amante sposo", de Marcos Portugal, ou no dueto "Amor concedeum’um prémio" (com a voz "dupla" da soprano). A voz ágil de Quintans, longe de pretender fazer uma abordagem "fadista" das peças, é especialmente adequada e expressiva numa modinha como "Frescas praias do Barreiro" ou na dramática faixa de abertura "Foi por mim, foi pela sorte".
A forma como canta em português, com uma dicção cuidada e algum virtuosismo nas partes mais agudas e ornamentais é a prova de que o preconceito na música erudita em relação à língua portuguesa não faz sentido – desde que se compreenda a especificidade da língua em que se canta. Marcos Magalhães e Ricardo Rocha conseguem um grande equilíbrio tímbrico e mostram, nas passagens mais simples como em alguns momentos de maior virtuosismo, uma frescura interpretativa incomum.
Este disco tem a importância de revelar um projecto original e ousado no panorama da nossa edição discográfica e no campo da música barroca. É, para além disso, um objecto muito cuidado (incluindo também um texto de Rui Vieira Nery que contextualiza as obras social e historicamente) e extremamente inventivo.» Pedro Boléo, in "Público": Suplemento "Ípsilon"
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