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O dia em que Jorge Fernando levou uma reprimenda do professor

Arquivo - Outubro 17, 2010
Quem é mais importante: o fadista ou o guitarrista? Quando era guitarrista da Amália Rodrigues,  Jorge Fernando ficou a saber a resposta.

Não devemos menosprezar a nossa função de guitarristas em prol de quem canta. A história que hoje vos conto é precisamente sobre isso. Não foi comigo, mas serviu-me de lição há mais de duas décadas.

Restaurante "A Tipóia", princípio dos anos 80. Eu, o Martinho d'Assunção e o grande mestre da guitarra portuguesa, Francisco Carvalhinho , éramos os músicos residentes daquela casa de fados, que há bem pouco tempo fechou portas. Nessa noite eu tinha tido um espetáculo fora e quando cheguei para a habitual tertúlia de fim de noite fui surpreendido com uma grandiosa noite fados a decorrer.

Na "Tipóia" estavam diversas caras conhecidas, entre elas o Nuno de Aguiar que levara consigo o então viola da Amália , Jorge Fernando (que além de um belíssimo compositor sempre foi um homem simpático e com jogo de cintura para entrar em novos projetos. Agora, acho que está a fazer tanta coisa em tão pouco tempo que começa a repetir-se um bocadinho... mas isto é só a minha opinião).

Entre copos e guitarradas, foram dizer ao meu avô que o Jorge gostava de cantar qualquer coisa, mas queria acompanhar-se a si mesmo. Ora bem, o "professor Martinho" (como quase toda a gente lhe chamava) não gostava de emprestar a viola a ninguém, nem sequer a mim que era neto dele. Quando eu em casa mexia na viola sem ele saber, mal ele agarrava nela dava-me logo um sermão. Tinha uma tal sensibilidade que sentia o suor e a pressão nas cordas se alguém tocasse.

Quando lhe pediram se podia emprestar a viola ao Jorge, ele disse que não, sem sequer explicar porquê. Era um homem de poucas palavras. Lembro-me que ficou toda a agente em broa e foram buscar outra ao "Café Luso", que era mesmo ao pé.
"É mesmo assim que você quer ser lembrado?"

Antes de começar a cantar, o Jorge fez um mini discurso, frisando por mais do que uma vez que era o guitarrista da Amália, que não era um artista qualquer, que não percebia por que é que não lhe emprestavam a guitarra. Depois cantou, e encantou (eu estava lá e ouvi, posso confirmar).

No fim da atuação, com a sua calma e descrição habituais, o "professor Martinho" chamou o Jorge à parte e disse-lhe: Ó Jorge, você até tem muito valor, mas escusa de dizer tantas vezes que é o viola da Amália. Ela tem alguma escola de guitarristas, é? Ela ensina alguém a tocar? Deixo-lhe conselho de quem já anda cá há uns bons anos e talvez um dia você me vá perceber: Quando quiser falar sobre si próprio diga que é o Jorge Fernando, senão nunca será mais do que apenas o viola da Amália. É isso que quer?".

Lembro-me de ter ouvido esta conversa e de ter ficado em silêncio. Totalmente desarmado, o Jorge também ficou. Não sei se ele ainda se lembra deste episódio (que se passou há mais de vinte anos, quando éramos ainda uns miúdos), mas são momentos destes que nos fazem crescer enquanto artistas e aprender que nunca devemos diminuir o nosso mérito de instrumentistas.


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Comentários
#1 Cordeiro 2011-05-07 19:52 O Jorge, deixou de ser o viola da Amália, e passou a ser o Jorge Fernando. É com os erros que se aprende, e eu também tenho aprendido, com os meus erros, pois claro. Citação
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