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Aldina Duarte: 'O meu repertório é intimista e denso'

Entrevistas - Janeiro 22, 2013
Mais um Fado no Fado é o concerto que Aldina Duarte realiza em Lisboa, com convidados especiais: Ana Moura, António Zambujo e Júlio Resende. 

É uma repetente na Culturgest, sendo esta a quinta vez que sobe ao palco do Grande Auditório. Como vai ser este concerto?

Quando tive esta ideia de fazer um concerto com pessoas com quem trabalhei muitos anos no Sr. Vinho, e com quem continuo a ter um relacionamento profissional muito forte, falei com o Miguel Lobo Antunes [director artístico] e ele achou que este seria o concerto ideal para representar o fado na celebração dos 20 anos da Culturgest. A primeira parte vão ser canções só com letras minhas, cantadas por mim e pelos meus convidados, e a segunda um projecto que tenho andado a desenvolver com o Júlio Resende. Estamos a criar arranjos novos para alguns fados meus ao piano.

 

Como surgiu a colaboração com Júlio Resende?

Fomos apresentados pelo Gonçalo M. Tavares, um amigo comum, e depois fiquei a saber que o Júlio já gostava do meu trabalho e conhecia-o bem. Fiquei muito comovida porque ele é de outra área musical e é muito mais novo. Entretanto, convidou-me para tocar com ele no Vinil [em Alcântara, Lisboa], durante uma semana em que ele estava a programar o espaço. Correu muito bem e a partir daí juntamo-nos pontualmente. A seguir à Culturgest vamos para o Porto, para as Quintas de Leitura [no Teatro do Campo Alegre], onde vamos interpretar temas da Maria do Rosário Pedreira, a poetisa convidada.

 

Gosta de ser acompanhada pelo piano?

Ainda estou naquela fase de enamoramento com o piano e, de repente, ouvir os meus fados de uma forma que nunca imaginaria à guitarra e à viola é surpreendente. A forma como o timbre vocal e o lado emocional do piano se encontram também provoca outros registos na história que é contada. Todas estas questões, às vezes até mais técnicas, são motores de sensibilidade fundamentais para uma recriação.

 

Um olhar externo é, então, uma vantagem?

A todos os níveis. Neste caso específico, a abordagem do Júlio não desvirtua no essencial a melodia e até acrescenta outras nuances igualmente fortes.

 

O Júlio vem do jazz, onde o improviso faz parte da criação. Como é a vossa união?

É muito interessante, precisamente por isso. Não há música em que o improviso seja mais importante do que no fado. O fado é uma melodia que está sempre em aberto para se cantar nela os mais diversos temas. Cada pessoa canta a sua letra na mesma música, de acordo com a sua tonalidade vocal. Posso dizer que em 20 anos nunca cantei nenhum fado da mesma maneira e há fados que canto todos os dias.

 

Além do Júlio Resende, vai contar com a presença de Ana Moura e António Zambujo. São amigos de longa data?

Trabalhámos no Sr. Vinho muitos anos juntos e foi aí que se estabeleceram as afinidades afectivas e profissionais. Eles têm um talento absolutamente particular e isso é a primeira coisa que me atrai na expressão artística: a singularidade. Eles têm isso na voz e na alma que põem no que fazem. São de uma transparência e autenticidade que valorizo muito. Depois tenho a sorte de eles também gostarem muito do meu trabalho e de recorrerem várias vezes a mim para me pedirem opinião. Temos uma troca muito saudável e construtiva do ponto de vista artístico e da nossa arte que é o fado.

 

O fado já saiu há muito das casas de fado. Mas é muito diferente estar num auditório ou no Sr. Vinho?

A grande diferença mais imediata é a da amplificação. Numa casa de fados cantamos sem amplificação, sem palco, e a única coisa que determina o momento somos nós mesmos e a escuridão. Cantamos a um metro de distância e as pessoas estão num ambiente mais descontraído e disperso. Vão jantar, conversar e tudo isso interfere – e estou a falar só de aspectos positivos – na escolha, até, do repertório. Não tenho um registo tão confessional e recolhido como quando estou em estúdio. Quando descobri o prazer de estar no estúdio, percebi que estava dentro de um confessionário, onde podia revelar zonas da minha voz que ao vivo, sem amplificação, nem se ouvem. O palco é a mistura destas duas coisas. Num concerto, em que estamos uma hora e meia expostos, a distância que existe do palco para o público favorece. Seria uma violência estar ali tanto tempo sem essa distância. No Sr. Vinho, onde canto quatro ou cinco fados seguidos, há uma intensidade que tem a ver com a fugacidade do momento.

 

Prefere um espaço em prole do outro?

Nos concertos, gosto de pensar que o publico está ali exclusivamente para me ouvir e, por isso, muito mais disponível para me receber. O meu repertório é muito intimista, denso, violento às vezes, e o meu maior objectivo é conseguir cantar como se estivesse a falar com cada um dos ali presentes. Nesse sentido, acho mais fácil para o público receber-me num auditório, porque não tem interferências. Numa casa de fados, as pessoas fazem sempre silêncio, mas é preciso conquistá-las para aquele quadrado que, antes da luz apagar, era de passagem. Do ponto de vista da criação, tudo isto é um grande desafio e faz-me descobrir coisas extraordinárias. Comparando com o desporto, o palco é uma espécie de maratona e o Sr. Vinho uma corrida dos 100 metros. Não competem entre si, vivem de preparações e forças diferentes, porém interagem.Sol



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