Gisela João: "Nem sei muito bem o que é o fado. É um sentimento"
Entrevistas - Abril 10, 2021
Ao terceiro álbum, Gisela João entrou finalmente num estúdio. E, sob a produção do americano Michael League, ligado a muitos sons, o jazz e as músicas do Mundo à cabeça, registou o conjunto de canções mais ousado e difícil de catalogar do seu percurso. Um conjunto em que o fado é banhado em eletrónica e texturas gasosas. A cantora e agora também compositora quer que "AuRora" seja escutado como uma centelha de esperança no meio do negrume. Tudo isto será fado?
"AuRora" é um disco pré-pandemia, certo?
Acabou de ser gravado a 31 de dezembro de 2019 às 10 da noite. Foi misturado em janeiro [de 2020], depois viajei para o Brasil para filmar os videoclips no início de março. Aterro em Lisboa no dia 16 com tudo pronto e dois dias depois foi declarado a quarentena.
Há um tom geral no disco de não se querer perturbar o silêncio para lá do estritamente necessário. Concorda?
Sou um bocado obcecada com o silêncio na música. A música, para mim, não pode ser barulho, nem um meio para eu trabalhar o ego. Somos um veículo para que aquela música e aquela letra tenham a vida que precisam. E para isso é preciso muita contenção. Consigo dar notas altas, mas não tenho de passar uma música inteira nas notas altas. O silêncio é o lugar que temos para pensar nas coisas, para tomar decisões.
Descreva um dia típico de gravação de "AuRora".
Não gosto de gravar de dia. É sempre a partir das 6, 7 da tarde. Foi a primeira vez que gravei em estúdio - os outros foram em casa, onde se montava um estúdio móvel. Cozinhei algo em cada dia de estúdio para que as pessoas se sentissem mais em casa, porque acredito que à volta da comida nós ficamos mais vulneráveis, damo-nos mais. Ouve-se as músicas e os rascunhos. Leio um poema em voz alta e explico o que sinto na interpretação daquele tema. Depois pega-se nos instrumentos e escolhem-se as tonalidades mais confortáveis para mim. Por volta das 2, 3, 4 da manhã, vou descansar.
Quando convidou Michael League para produzir, o que é que lhe pediu?
Na minha cabeça ouvia os sons eletrónicos que achava que fazia sentido juntar ao fado. Fui muito clara: disse-lhe que queria essa componente, mas que não podia nunca "comer" o fado. Na verdade, nem sei muito bem o que é o fado. É um sentimento, um feeling.
Ele escreveu que "AuRora" leva o género fado aos seus limites. O que há para lá desses limites?
O risco de se fazer demais. Este género é tão simples e ao mesmo tempo tão grande que basta exagerar um pouquinho que já perde.
Por que razão só agora se aventurou na escrita de canções?
Há tanta gente a escrever tão bem que nunca senti necessidade. Ser apenas intérprete não é menos do que ser compositor. O papel do intérprete é muito altruísta porque dá voz ao outro. Além disso, achava que não sabia fazer música. Não sei escrever nem ler uma pauta. Mas o Justin [Stanton, pianista, companheiro de Gisela João, aliado de Michael League na banda Snarky Puppy] disse-me, "não, tu sabes fazer música. A partir de agora, vais gravar tudo quando andas por aí a cantar".
O que aprendeu com "AuRora"?
Aprendi a contenção. Foi altamente empoderador. De repente, estar a trabalhar com pessoas a quem dou todos os créditos e mais alguns, por quem tenho muito respeito musical e intelectual, que falam para mim de igual para igual e que me fazem sentir que não sou apenas uma intérprete. E que me ouvem com ouvidos de ouvir. O que o "AuRora" me deu foi o sentir-me mais capaz.
"AuRora" é um disco pré-pandemia, certo?
Acabou de ser gravado a 31 de dezembro de 2019 às 10 da noite. Foi misturado em janeiro [de 2020], depois viajei para o Brasil para filmar os videoclips no início de março. Aterro em Lisboa no dia 16 com tudo pronto e dois dias depois foi declarado a quarentena.
Há um tom geral no disco de não se querer perturbar o silêncio para lá do estritamente necessário. Concorda?
Sou um bocado obcecada com o silêncio na música. A música, para mim, não pode ser barulho, nem um meio para eu trabalhar o ego. Somos um veículo para que aquela música e aquela letra tenham a vida que precisam. E para isso é preciso muita contenção. Consigo dar notas altas, mas não tenho de passar uma música inteira nas notas altas. O silêncio é o lugar que temos para pensar nas coisas, para tomar decisões.
Descreva um dia típico de gravação de "AuRora".
Não gosto de gravar de dia. É sempre a partir das 6, 7 da tarde. Foi a primeira vez que gravei em estúdio - os outros foram em casa, onde se montava um estúdio móvel. Cozinhei algo em cada dia de estúdio para que as pessoas se sentissem mais em casa, porque acredito que à volta da comida nós ficamos mais vulneráveis, damo-nos mais. Ouve-se as músicas e os rascunhos. Leio um poema em voz alta e explico o que sinto na interpretação daquele tema. Depois pega-se nos instrumentos e escolhem-se as tonalidades mais confortáveis para mim. Por volta das 2, 3, 4 da manhã, vou descansar.
Quando convidou Michael League para produzir, o que é que lhe pediu?
Na minha cabeça ouvia os sons eletrónicos que achava que fazia sentido juntar ao fado. Fui muito clara: disse-lhe que queria essa componente, mas que não podia nunca "comer" o fado. Na verdade, nem sei muito bem o que é o fado. É um sentimento, um feeling.
Ele escreveu que "AuRora" leva o género fado aos seus limites. O que há para lá desses limites?
O risco de se fazer demais. Este género é tão simples e ao mesmo tempo tão grande que basta exagerar um pouquinho que já perde.
Por que razão só agora se aventurou na escrita de canções?
Há tanta gente a escrever tão bem que nunca senti necessidade. Ser apenas intérprete não é menos do que ser compositor. O papel do intérprete é muito altruísta porque dá voz ao outro. Além disso, achava que não sabia fazer música. Não sei escrever nem ler uma pauta. Mas o Justin [Stanton, pianista, companheiro de Gisela João, aliado de Michael League na banda Snarky Puppy] disse-me, "não, tu sabes fazer música. A partir de agora, vais gravar tudo quando andas por aí a cantar".
O que aprendeu com "AuRora"?
Aprendi a contenção. Foi altamente empoderador. De repente, estar a trabalhar com pessoas a quem dou todos os créditos e mais alguns, por quem tenho muito respeito musical e intelectual, que falam para mim de igual para igual e que me fazem sentir que não sou apenas uma intérprete. E que me ouvem com ouvidos de ouvir. O que o "AuRora" me deu foi o sentir-me mais capaz.
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