Amália - O filme
Primeiro, uma pequena Amália (Ana Contente) lavadeira de tanques, que conhece a precoce separação dos pais, a pobreza, a marcada indiferença e o desprezo da mãe (Ana Padrão) pelo seu dom vocal. Segue-se a morte da sua irmã Aninhas e o início da vida adulta, temperada com o misto de entreajuda e ciúme da irmã Celeste (Carla Chambel) e com a paixão pelo guitarrista amador Francisco Cruz (José Fidalgo), que marca o início do seu sucesso local e nacional e a sua falta de sorte para o amor em todo o mundo.
Depois, então, de um casamento falhado, Amália vive uma fase de maturação artística que vive paredes meias com o amante Eduardo Ricciardi (Ricardo Pereira), um playboy do ténis e da alta sociedade que se envergonha das raízes plebeias da fadista, e com o banqueiro casado Ricardo Espírito Santo (António Pedro Cerdeira), que morre repentinamente, a meio do idílio, levando Amália a afogar a solidão nas lágrimas e no casamento por simpatia com outro dos seu inúmeros pretendentes, o brasileiro César Seabra (Ricardo Carriço).
Mais do que profissionais e sentimentais, as memórias de Amália aparecem atadas às várias tentativas de suicídio, às conotações políticas com o regime de Salazar e às referências, ainda que leves, às suas amizades poéticas e perigosas com Natália Correia (Carla Sá) e Ary dos Santos (João Didelet). Pelo meio, a detecção de um tumor que a atormenta e lhe faz tremer a voz com medo das luzes do palco… Com excepção da brilhante e apoteótica actuação em pleno Coliseu dos Recreios e em pleno fogo cruzado da Revolução de Abril.
Desta biografia ficcionada (ou não) de Amália, são pontos menos fortes Ricardo Carriço, que não convence com o seu sotaque brasileiro forçado; a aparição estranha da israelita, judia ou muçulmana (não se entende bem) grávida e fã de Amália, em pleno mercado de frutas brasileiro, que percorreu o mundo inteiro para ver a diva portuguesa; a caracterização da Amália velha que, acreditam alguns telespectadores da película, de tão artificial assemelha-se, por vezes, à de um travesti; assim como as nem sempre bem conseguidas sobreposições de som e imagem advindas do playback que recai obrigatoriamente sobre a protagonista.
Mas vale a surpresa do excelente desempenho de Sandra Barata Belo e a não menor coragem de Carlos Coelho da Silva, que depois do desafio queirosiano de O Crime do Padre Amaro, em 2005, se atreveu, três anos depois, a ir desenterrar a voz de todo o povo.
«Quando eu morrer vão inventar muitas histórias sobre mim, se inventaram sobre a severa e não se sabe se ela existiu...» Amália Rodrigues