Cara Sara Vidal
Peço-lhe uma vez mais desculpa de a ter de corrigir, relativamente ao objectivo da letra que o David escreveu, o Abandono.
Este poema refere-se à detenção de um amigo dele, que, durante esse fim de semana, fora privado da liberdade e levado para o presídio de Peniche.
Nada tinha a ver com “crítica” ao regime vigente, reprovação ou contestação.
Eu aceito que lhe tenham dito isso, pois pela sua fotografia vejo que é uma jovem e, tão pouco deve ter conhecido o David Mourão Ferreira ou mesmo a sua obra.
Como mais velho e, porque vivi com ele muitas coisas desse tempo, gostaria de lhe dizer que ele era um poeta que, como ninguém, escreveu sobre o amor e era a pessoa mais pacífica que conheci e, se ler com atenção as obras dele, nada vê de “contestação, de intervenção ou de revolta”. Era um verdadeiro cavalheiro e muito sensível ao amor e à amizade.
No “Abandono”, apenas e com saudade, lamentava que : ...por teu livre pensamento, foram-te longe encerrar, tão longe que o teu lamento, não me consegue alcançar…apenas ouves o vento, apenas ouves o mar!
Isto é lamento, não crítica. Como lhe disse, eu fui a primeira pessoa a quem ele pediu para cantar este poema e sei bem o que lhe ia na alma.
Peço-lhe, com amizade, que não procure no fado poemas de intervenção! O fado é saudade, é amor é alegria contida, é tudo quanto quiser! Mas intervenção ou contestação NÃO.
Se procura uma letra de intervenção ou contestação, terei o maior prazer em lhe enviar algumas que tenho, de poetas amigos, que escreveram esse tipo de poesia para o Paulo de Carvalho, Fernando Tordo e outros.
Peço-lhe que não fique zangada comigo e que possamos trocar, de uma forma saudável, experiências do fado do qual já tenho uma longa experiência.
Com amizade
Francisco Pessoa