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Carlos Saura à conversa sobre o filme "Fados"

Interviews - Setembro 15, 2007
A 4 de Outubro estreia-se em Portugal o filme 'Fados', uma visão pessoal do realizador espanhol Carlos Saura sobre o uni-verso fadista.

O filme, que gerou polémica pelo financiamento atribuído pela Câmara de Lisboa, é por si só visto como embaixada do fado e de Portugal.

Quando descobriu o fado?

Descobri-o quando ainda era menino. Naquela época, Amália Rodrigues era, em Espanha, tão famosa como qualquer outra cantora popular de máxima categoria. Cantávamos canções dela. Lembro-me da Casa Portuguesa... Houve uma época de trocas grandes entre Portugal e Espanha.

Foi ouvindo fado pela vida fora, depois de adulto?

Sim, mas de uma forma pouco ordenada, pouco arrumada. Fui várias vezes a Lisboa, comprei discos. Nunca perdi o contacto. Mas tudo mudou, naturalmente, quando comecei a trabalhar no filme.

Quando Ivan Dias [o produtor] o desafiou para este projecto, qual foi a sua reacção imediata? Era a sucessão ideal para um realizador que já tinha feito filmes como Flamenco ou Tango?

Houve um momento, antes disto tudo, em que tinha já pensado em fazer algo com o fado. Mas foi mesmo isso... Uma coisa do momento, e então sem consequência. Mas quando o Ivan me falou pareceu-me uma ideia muito boa. Disse- -lhe logo que sim.

Foi a oportunidade para "arrumar" finalmente o seu conhecimento sobre o fado...

Primeiro o Carlos do Carmo veio a Madrid ara falar. Fui a Lisboa para ver os lugares do fado. E depois mandaram-me uma quantidade enorme de livros, de discos. Queria saber sobre o fado e recebi documentação fantástica.

Informação em excesso?

Não sei se era demasiada, porque queria muito saber de tudo... Em casa tenho hoje uma biblioteca completa sobre fado. Livros e discos. O problema foi como fazer uma selecção de tudo o que recebi. E como tentar ir um pouco mais longe naquilo que é o fado tradicional. O filme procura influências... Foi fascinante fazer essas descobertas.

Acha que os espanhóis conhecem o fado?

Quando se soube que ia fazer um filme sobre o fado, logo houve quem me falasse numa ou noutra canção... Que devia usar esta ou aquela, porque era bonita... Essa foi a primeira impressão, superficial. Mas, vendo em profundidade, pouca gente conhece o fado.

Um realizador português teria feito um filme diferente?

Nem coloco esse problema... E é um problema que só será levantado em Portugal. Aconteceu o mesmo com o Tango. Na Argentina perguntavam porque é que um realizador tem de vir de Espanha para fazer um filme sobre o tango?... Eu sinto-me muito português e integrado na cultura portuguesa e com os meus amigos cantores. Haveria 40 formas de abordar este tema, não tenho dúvidas. A minha forma é um pouco uma continuidade do que fiz nos outros filmes. Continuidade na fotografia, na luz... De certa maneira, desta vez fui até mais longe.
Trabalhei mais a fotografia.

Quando esteve em Lisboa a conhecer gentes e locais para preparar o filme quais foram as suas maiores descobertas e revelações?

Descobri muitas coisas que não conhecia. Entre as melhores descobertas estão o Camané e a Mariza. São pessoas extraordinárias, com um enorme talento musical. Emocionei-me profundamente quando ouvi o Camané pela primeira vez.

Como definiu as escolhas para o elenco do filme?

Quem vir o filme vai verificar que falta muita gente. Mas não cabia ali o mundo inteiro. Tínhamos de considerar os mais representativos. Tanto entre os clássicos como nas gerações mais novas.

Carlos do Carmo disse já ao que lhe sugeriu que apenas Argentina Santos não devia ficar de fora...

Sim... E eu não conhecia a Argentina Santos. Ouvi-a pela primeira vez em Lisboa e num fado de que até nem gostei muito a princípio... E agora acho que o fado que ela canta no filme é dos que me arrepiam mais.

E como descobriu os músicos mais jovens que tem no filme? Há músicos de hip hop em Fados!

Houve muito trabalho de colaboração neste filme. E essa foi uma colaboração concreta do Ivan. Ele foi uma força fundamental, com todo o seu entusiasmo. Estávamos de acordo nesta ideia de romper as normas...

Foi decisão sua ter figuras de primeiro plano internacional como Caetano Veloso, Chico Buarque ou Lila Downs no filme?

Tudo se fez em acordo. Com o Ivan, com o Carlos do Carmo... A decisão final coube-me a mim, mas muitas das sugestões vieram do Ivan. Agora uma coisa é certa: em Fados não está nada de que eu não goste!

O filme homenageia Marceneiro, Amália e Lucília do Carmo...

Eram fundamentais. No caso de Marceneiro, é interessante a ligação que se faz com os rapazes do hip hop.

Flamenco e Tango eram filmes sobre músicas que se dançam. O fado nem tanto assim. Mas dança-se em Fados. Como se dança o fado?

Essa é uma invenção minha. O fado é belo, elegante. Mas escutar apenas oito fados de seguida poderia ser perigoso, cansativo. É uma música melancólica... Pensei no assunto. Comecei por procurar um fado que se pudesse dançar. Há estudiosos que defendem uma origem do fado no Brasil. E pareceu-me que não seria um contra-senso começar, por aí, a estabelecer outro tipo de relações. E o próprio filme acabou assim por ter um outro ritmo.

O filme não ignora o 25 de Abril de 1974. Sente que há uma história do antes e do depois na relação dos portugueses com o fado?

A revolução tinha de estar no filme. Queria, como no Tango, dar a entender que houve um tempo de repressão. E queria, também, sugerir depois um tempo festivo. Foi uma revolução invulgar. Gosto da forma como o Fado Tropical do Chico Buarque sublinha essas memórias entre Portugal e o Brasil, com um sentido de fraternidade.

Depois de ter feito o filme, o que é, hoje, o fado para si?

É um pouco como o tango ou o flamenco... São músicas que nascem no século XIX. E que estão ligadas a uma vivência de portos, como Montevideu ou Buenos Aires. Ou Cádis... E há na sua génese uma ligação a prostíbulos, o que é curioso. Daí nasceu uma música bela. É uma música especial, com a sua forma de cantar particular, uma linguagem melancólica. Parece-me que, de certa forma, sem exagerar, pode definir uma maneira de ser portuguesa.

É "a" expressão da alma portuguesa?

De alguma maneira, sim. Mas não generalizava, porque isso poderia ser perigoso. Não diria que ser fado é ser português. Mas que me sinto português no fado, é verdade. E gosto de pensar esta como uma música do futuro. E quando penso nisso, penso na Mariza. Ela é das pessoas que mais vão fazer avançar o fado. O Camané talvez esteja mais próximo da tradição. A Mariza tem uma coisa interior especial... Aquela música com a orquestra... É mais caliente... (risos).

Foi por isso que a fez cantar um dueto com uma voz do flamenco? Abre portas a outras relações possíveis?

Sinto mais essas possíveis portas até com a Argentina Santos. Há uns momentos no fado que ela canta que quase parecem um flamenco.

O filme fala das origens do fado. Mas não usa palavras para o fazer... E tenta abrir mais o próprio fado. Traz o fado ao século XXI?

Podemos dizer isso com o Foi na Travessa da Palha, cantado pela Lila Downs. Era uma canção antes cantada pela mãe do Carlos do Carmo. A versão da Lucília do Carmo é das coisas mais belas que já ouvi. Emociona-me. Depois a Lila Downs dá-lhe uma leitura mais actual, moderna, com um som distinto. Gosto deste tipo de processos.

Como reagiu às reacções de entusiasmo depois da estreia em Toronto?

Estou muito feliz com a recepção. O filme vai agora seguir para outros festivais, mas não devo poder ir porque tenho uma ópera [uma Carmen, de Bizet] para montar em Valência. O filme vai a Roma, ao Rio de Janeiro, à Coreia do Sul... É uma loucura!

Mas estará na antestreia de Lisboa?

Sim, claro!

Diz-se que este é o final de uma trilogia. Será mesmo o final?

Não sei... Nem acho que seja uma trilogia, porque, além do Flamenco e do Tango, também fiz o Sevillanas e o Ibéria. Isso da trilogia foi alguém que inventou! Nunca usei esse argumento. Falo apenas de filmes musicais. E são já cinco.

Como classifica estes filmes. Chama-lhes documentários?

Não sei que palavra usar como classificação de género... São musicais...

Tira muitas fotografias durante as rodagens. Poderá, um dia, transformar estas imagens e histórias num livro?

Sim, seria uma boa ideia.



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