Cidália Moreira: "O meu pai nunca me perdoou ser fadista”
Interviews - Maio 22, 2011
Aos 67 anos, Cidália Moreira regressa aos grandes palcos com um espectáculo de carreira, quinta-feira, no Cinema S. Jorge. Pretexto para revisitar a vida da cantora.
- Há muito tempo que não se ouvia falar de si. O que é feito da Cidália Moreira?
Cidália Moreira – Como todo o ser humano, a Cidália Moreira também não passa imune às contingências da vida. Há imprevistos que, por vezes, nos obrigam a abrandar um bocadinho. Eu nunca parei de cantar e nunca me retirei totalmente, mas os grandes espectáculos deixei de os fazer. Quinta-feira vou dar um concerto no São Jorge [em Lisboa], que é o meu grande regresso.
– E que imprevistos foram esses?
– Foi o falecimento da minha filha e logo a seguir o meu marido. Foram duas grandes pancadas que levei na vida. Durante muito tempo andei numa luta interior em que não me apetecia cantar. Não encontrava motivação. Praticamente deixei de conviver com o meio artístico.
– A que se deveu a morte da sua filha?
– Ela faleceu aos quatro anos com um tumor nos olhos, um problema de nascença. Ainda chegou a ser operada, mas de nada valeu. Já lá vão vinte anos, mas foi uma coisa que mudou a minha vida. Tive-a já muito tarde, aos 43 anos, e quando ela faleceu tinha eu 47. As pessoas julgaram que eu nunca mais ia voltar a cantar.
– E pensou em desistir da música?
– Não, porque é isto que eu gosto de fazer na vida. Para além do mais eu sei que a minha filha não gostaria que eu tivesse parado. Custou-me muito, mas a determinada altura consegui libertar-me do marasmo em que tinha caído. Por incrível que pareça acho que o sofrimento me deu mais força.
– Como é que isso se consegue?
– Eu interiorizei para mim que a minha filha foi fazer uma longa viagem e que um dia nos vamos encontrar outra vez.
– Já conseguiu fazer as contas a quantos anos de carreira tem?
– Para o grande público é desde 1970, portanto 41 anos de carreira. Mas a verdade é que eu canto desde os sete. Até aos 16 fui vocalista de alguns conjuntos, depois mudei-me p ara Lisboa e enveredei pelo fado. Corri várias casas a cantar conforme o cachet que me pagavam. Ainda fui quatro anos para o Brasil e quando voltei fui convidada para o teatro. Foi quando o meu nome despoletou.
– Está satisfeita com a carreira que alcançou?
– Sim. Muito. Em Portugal não podia fazer muito mais. Fiz no meu tempo o que era possível fazer. Percorri todas as salas deste País.
– Vem de uma altura em que nenhum pai gostava que a filha fosse fadista. Como foi consigo?
– Foi assim. Por essa razão é que acabei por sair de casa aos 16 anos. Eu queria ser artista e ele não deixava. Por isso deixei Olhão e fui para Lisboa.
– E o seu pai levou muito tempo a perdoá-la?
– O meu pai nunca me perdoou ter sido fadista. Morreu comigo ‘atravessada’.
"O RÓTULO DE CIGANA NUNCA ME INCOMODOU"
- As pessoas ainda a reconhecem e a abordam na rua?
- Sim, é ao quilo (risos). Quando vou à Baixa [de Lisboa] e entro numa loja toda a gente me fala. E é isso que me dá alegria.
- Ainda a chamam de ‘cigana fadista’?
- Sim. Algumas pessoas nem sequer se lembram do meu nome. Chegam e perguntam--me: "A senhora não é aquela cigana que canta fado?".
- Alguma vez a incomodou esse rótulo?
- Não, nunca. Há pessoas que até me pedem desculpa por me chamar assim, mas isso nunca me incomodou.
- E quem a aborda, são mais pessoas da sua geração?
- É engraçado porque na casa de fados onde canto actualmente vejo cada vez mais grupos de jovens que vêm para me ouvir e que me pedem fados que nem me passava pela cabeça cantar.
"HOJE O ARTISTA ESTÁ BANALIZADO"
– A Cidália Moreira está com 67 anos de idade. Como tem lidado com o passar dos anos?
– Muito bem. Há dias em que olho para o espelho e não gosto de me ver, mas depois passa-me. Conheço mulheres de quarenta anos que parecem umas velhas.
– Mas tem muitos cuidados com a sua saúde?
– Sim. Com a saúde não brinco. Quando tenho qualquer coisa vou logo a correr para o médico. Gosto mais das medicinas alternativas, tratamentos homeopáticos e naturistas. Sem saúde não somos ninguém.
– Que lugar acha que tem ou merece na história do fado?
– Acho que tenho de ter um lugar de topo. Não posso exigir outra coisa.
– Sente-se uma mulher realizada?
– Do ponto de vista artístico e atendendo ao País em que estamos, sinto-me completamente realizada.
– Há muitas diferenças entre o mundo artístico de hoje e de quando começou?
– Há. Perdeu-se muito do mistério de ir ver um artista cantar. A televisão matou isso. Hoje toda a gente tem os artistas dentro de casa e tudo está muito mais banalizado. CM
Cidália Moreira – Como todo o ser humano, a Cidália Moreira também não passa imune às contingências da vida. Há imprevistos que, por vezes, nos obrigam a abrandar um bocadinho. Eu nunca parei de cantar e nunca me retirei totalmente, mas os grandes espectáculos deixei de os fazer. Quinta-feira vou dar um concerto no São Jorge [em Lisboa], que é o meu grande regresso.
– E que imprevistos foram esses?
– Foi o falecimento da minha filha e logo a seguir o meu marido. Foram duas grandes pancadas que levei na vida. Durante muito tempo andei numa luta interior em que não me apetecia cantar. Não encontrava motivação. Praticamente deixei de conviver com o meio artístico.
– A que se deveu a morte da sua filha?
– Ela faleceu aos quatro anos com um tumor nos olhos, um problema de nascença. Ainda chegou a ser operada, mas de nada valeu. Já lá vão vinte anos, mas foi uma coisa que mudou a minha vida. Tive-a já muito tarde, aos 43 anos, e quando ela faleceu tinha eu 47. As pessoas julgaram que eu nunca mais ia voltar a cantar.
– E pensou em desistir da música?
– Não, porque é isto que eu gosto de fazer na vida. Para além do mais eu sei que a minha filha não gostaria que eu tivesse parado. Custou-me muito, mas a determinada altura consegui libertar-me do marasmo em que tinha caído. Por incrível que pareça acho que o sofrimento me deu mais força.
– Como é que isso se consegue?
– Eu interiorizei para mim que a minha filha foi fazer uma longa viagem e que um dia nos vamos encontrar outra vez.
– Já conseguiu fazer as contas a quantos anos de carreira tem?
– Para o grande público é desde 1970, portanto 41 anos de carreira. Mas a verdade é que eu canto desde os sete. Até aos 16 fui vocalista de alguns conjuntos, depois mudei-me p ara Lisboa e enveredei pelo fado. Corri várias casas a cantar conforme o cachet que me pagavam. Ainda fui quatro anos para o Brasil e quando voltei fui convidada para o teatro. Foi quando o meu nome despoletou.
– Está satisfeita com a carreira que alcançou?
– Sim. Muito. Em Portugal não podia fazer muito mais. Fiz no meu tempo o que era possível fazer. Percorri todas as salas deste País.
– Vem de uma altura em que nenhum pai gostava que a filha fosse fadista. Como foi consigo?
– Foi assim. Por essa razão é que acabei por sair de casa aos 16 anos. Eu queria ser artista e ele não deixava. Por isso deixei Olhão e fui para Lisboa.
– E o seu pai levou muito tempo a perdoá-la?
– O meu pai nunca me perdoou ter sido fadista. Morreu comigo ‘atravessada’.
"O RÓTULO DE CIGANA NUNCA ME INCOMODOU"
- As pessoas ainda a reconhecem e a abordam na rua?
- Sim, é ao quilo (risos). Quando vou à Baixa [de Lisboa] e entro numa loja toda a gente me fala. E é isso que me dá alegria.
- Ainda a chamam de ‘cigana fadista’?
- Sim. Algumas pessoas nem sequer se lembram do meu nome. Chegam e perguntam--me: "A senhora não é aquela cigana que canta fado?".
- Alguma vez a incomodou esse rótulo?
- Não, nunca. Há pessoas que até me pedem desculpa por me chamar assim, mas isso nunca me incomodou.
- E quem a aborda, são mais pessoas da sua geração?
- É engraçado porque na casa de fados onde canto actualmente vejo cada vez mais grupos de jovens que vêm para me ouvir e que me pedem fados que nem me passava pela cabeça cantar.
"HOJE O ARTISTA ESTÁ BANALIZADO"
– A Cidália Moreira está com 67 anos de idade. Como tem lidado com o passar dos anos?
– Muito bem. Há dias em que olho para o espelho e não gosto de me ver, mas depois passa-me. Conheço mulheres de quarenta anos que parecem umas velhas.
– Mas tem muitos cuidados com a sua saúde?
– Sim. Com a saúde não brinco. Quando tenho qualquer coisa vou logo a correr para o médico. Gosto mais das medicinas alternativas, tratamentos homeopáticos e naturistas. Sem saúde não somos ninguém.
– Que lugar acha que tem ou merece na história do fado?
– Acho que tenho de ter um lugar de topo. Não posso exigir outra coisa.
– Sente-se uma mulher realizada?
– Do ponto de vista artístico e atendendo ao País em que estamos, sinto-me completamente realizada.
– Há muitas diferenças entre o mundo artístico de hoje e de quando começou?
– Há. Perdeu-se muito do mistério de ir ver um artista cantar. A televisão matou isso. Hoje toda a gente tem os artistas dentro de casa e tudo está muito mais banalizado. CM
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