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Felizes de ter Aldina, numa celebração de carreira que podia ter brilhado mais

Concertos - Março 10, 2014
A celebração dos 20 anos de carreira de Aldina Duarte cumpriu-se, na estreia, com um bom espectáculo, mas a que faltou a chama dos grandes momentos.

Vinte anos de carreira, quatro discos, um lugar seguríssimo e respeitado nos meios do fado. Com isto, Aldina Duarte quis celebrar a sua passagem à “idade adulta” (palavras dela) do seu percurso e quis fazê-lo com um espectáculo no Grande Auditório da Culturgest (acabaram por ser dois, tal a procura, a 7 e 8 de Março, ambos às 21h30). Espectáculo esse a que chamou O Que Nunca Direi, forma de sublimar numa frase o que só o canto transmite.

Por isso, tudo diria estarmos perante um daqueles momentos inesquecíveis, menos uma etapa de carreira do que um auge de fulgor e sentimentos só transmissíveis pela voz. Por razões não claramente perceptíveis (pressão da estreia, nervoso, emoções em desalinho, o que quer que seja), a experiência não foi plena. Aldina Duarte cantou bem, em alguns fados fabulosamente bem, mas a chama dos grandes momentos não produziu nela o “clic” necessário a conquistar de forma inequívoca o público. Como ela, com tudo o que é e vale, com um repertório inteligente e de muito bom nível, certamente mereceria.

Dito isto, o espectáculo partiu de uma ideia interessante e despida de artifícios. Aldina quis mostrar as fases por que passou o seu canto, desde os fados mais dilacerados dos primeiros discos (Apenas o Amor e Crua) até ao claro amadurecimento dos seguintes (Mulheres ao Espelho e Contos de Fados). Talvez por isso o primeiro fado sugerisse um nascimento: com as cortinas vermelhas ainda corridas, ouviu-se a gravação a capella do fado com poema de Fernando Pessoa que ela cantara a fechar o concerto anterior: "Cai chuva do céu cinzento/ Que não tem razão de ser./ Até o meu pensamento/ Tem chuva nele a escorrer.” E a voz, dorida e velada, a remeter-nos para os primeiros sons da fala.

Quando as cortinas se abriram, já com José Manuel Neto (guitarra portuguesa) e Carlos Manuel Proença (viola) nos seus lugares, Aldina veio então, de negro vestida, cantar quatro fados do seu início: M.F., Lírio quebrado, A estação das cerejas (sempre belo, mas aquém do seu melhor) e Xaile encarnado. Foi o intróito pensado para a segunda parte, com a saída dos dois músicos e a entrada de outros quatro: Ana Isabel Dias (harpa), Júlio Resende (piano), Paulo Parreira (guitarra portuguesa) e Rogério Ferreira (viola).

Aqui Aldina fez circular outras experiências: as noites da casa de fados a par com diálogos menos usuais com instrumentos como a harpa e o piano, que ela já ousara naquele mesmo palco (com êxito, diga-se) por sugestão da coreógrafa Olga Roriz. E agigantou-se. Barro divino (só voz e harpa) foi mesmo divino e De costas voltadas (com piano) arrancou o primeiro merecido “bravo!” à plateia. Antes de quê?, com guitarra e viola, passou do experimentalismo às noites fadistas, num recuo ao primeiro disco. Até à voz se liquefazer, de novo, junto à harpa, numa Branca, branca, xom ledoia do Fado Cravo de Alfredo Marceneiro, a um passo da perfeição. De loucura em loucura cantou-o Aldina sentada e cantou-o de corpo e alma. Muito bom. E foi sentada ainda que cantou o inédito que João Ferreira-Rosa escrevera para ela, Auto-retrato, com música também de Alfredo Marceneiro (Fado Senhora do Monte) e que pode vir a chamar-se O que nunca direi. Flor do cardo esteve bem, mas sem voar alto, e Fado com dono (a fala de Eurídice dirigida a Orfeu) saiu-lhe dos poros e da alma como uma prece.

Troca de músicos, para fechar com Ai meu amor se bastasse, Gato escaldado (vivaz e divertido como nunca) e Princesa prometida, numa interpretação ao melhor nível. E os esperados encores: primeiro um instrumental excelente, com José Manuel Neto e Carlos Manuel Proença a conquistarem fortes aplausos do público; e depois Aldina a voltar à “casa de fados” com Apenas o vento, Não vou, não vou e, de novo, a fechar a noite, o inédito de Ferreira-Rosa.

Felizes de ter Aldina, mesmo se nesta noite podia ter brilhado mais. Nuno Pacheco (Público)


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