Duarte: "Não tenho por princípio fazer discos com a ideia de serem ou não serem de qualquer coisa"
Interviews - Maio 11, 2021
José Mário Branco já não está entre nós, mas ainda teve tempo de deixar a sua marca no novo álbum de Duarte, No Lugar Dela.
Um disco executado com um trio de fado e um quarteto de cordas onde a voz do cantor acentua a emoção. Um disco de empatia onde se canta e conta sobre o lugar de umas quantas mulheres e se apresenta o olhar de um homem sobre esse lugar.
Olá, Duarte, obrigado por despenderes algum tempo com Via Nocturna e parabéns pelo excelente álbum No Lugar Dela. Começando, precisamente, por aí, porquê No Lugar Dela? Porquê a escolha deste título e que significado tem?
Sou eu quem agradece a conversa, bem como as tuas tão gentis palavras de partida sobre este lugar. No Lugar Dela surge enquanto título de um trabalho fundamentado num exercício empático. Foi o título escolhido nesta tentativa de nos colocarmos no lugar de outros, ou neste caso de outras, sem que sejamos o outro. O conceito de partida do disco é pois o da empatia e a história do disco acaba por ser a procura dessa empatia nesses lugares de vida.
Com a temática da mulher em destaque, de que forma é que tua formação de base e profissão (psicologia clínica) te ajudaram a criar e a desenvolver a temática lírica?
À partida, mais que a questão de género, importou-me a pessoa e o meu olhar sobre o lugar desta. As temáticas das histórias de vida e das relações estão no campo da minha prática clínica e artística, sendo que isso para mim é um privilégio. Tenho, digamos, que um acesso privilegiado a essas matérias nas duas áreas, muito embora sejam trabalhadas para diferentes fins e em diferentes contextos. Se na psicologia as histórias de vida e as relações são para “cuidar” ou “fazer cuidar”, na música, essas mesmas histórias de vida e relações são para cantar ou, se quiseres, sublimar.
Musicalmente, este é um disco cantado por um fadista… mas que não é um disco de fado. Como conjugas estas duas vertentes?
Não estive preocupado em conjugar ou encaixar, mas antes em poder servir as diferentes naturezas de canto que os lugares pediam. Ser ou não ser fadista, cantar ou não cantar fados, não foi essa uma preocupação. A minha preocupação foi servir um canto e servir o outro, qualquer que seja, da melhor forma possível. Não tenho por princípio fazer discos com a ideia de estes serem ou não serem de qualquer coisa ou caixa. Contudo, não seríamos intelectual e musicalmente honestos se disséssemos que a matriz musical do disco está no fado quando não está, apesar de andar muito em voga dizer-se que são dos fados coisas que nunca foram deles. O que podemos dizer com seriedade é que esta obra apela a uma diversidade de matrizes - fado, cante, clássica, rock… - que não aparecem enquanto adornos ou efeitos de uma matriz de base, mas sim enquanto parceiros de conversa. Neste disco podemos encontrar melodias de três fados tradicionais. Os restantes oito temas são cantos dessa natureza variada.
É nessa perspetiva que adicionas um ensemble de cordas?
O quarteto de cordas clássico surge, pois da procura por mais “ingredientes musicais” com os quais pudéssemos “cozinhar” e combinar o trio (também ele clássico) de fado, de forma a podermos cantar/contar e servir as outras naturezas que não só a do fado.
E, de facto, este disco mostra uma variedade e diversidade que não se cinge ao fado. Como é que o descreverias?
Olá, Duarte, obrigado por despenderes algum tempo com Via Nocturna e parabéns pelo excelente álbum No Lugar Dela. Começando, precisamente, por aí, porquê No Lugar Dela? Porquê a escolha deste título e que significado tem?
Sou eu quem agradece a conversa, bem como as tuas tão gentis palavras de partida sobre este lugar. No Lugar Dela surge enquanto título de um trabalho fundamentado num exercício empático. Foi o título escolhido nesta tentativa de nos colocarmos no lugar de outros, ou neste caso de outras, sem que sejamos o outro. O conceito de partida do disco é pois o da empatia e a história do disco acaba por ser a procura dessa empatia nesses lugares de vida.
Com a temática da mulher em destaque, de que forma é que tua formação de base e profissão (psicologia clínica) te ajudaram a criar e a desenvolver a temática lírica?
À partida, mais que a questão de género, importou-me a pessoa e o meu olhar sobre o lugar desta. As temáticas das histórias de vida e das relações estão no campo da minha prática clínica e artística, sendo que isso para mim é um privilégio. Tenho, digamos, que um acesso privilegiado a essas matérias nas duas áreas, muito embora sejam trabalhadas para diferentes fins e em diferentes contextos. Se na psicologia as histórias de vida e as relações são para “cuidar” ou “fazer cuidar”, na música, essas mesmas histórias de vida e relações são para cantar ou, se quiseres, sublimar.
Musicalmente, este é um disco cantado por um fadista… mas que não é um disco de fado. Como conjugas estas duas vertentes?
Não estive preocupado em conjugar ou encaixar, mas antes em poder servir as diferentes naturezas de canto que os lugares pediam. Ser ou não ser fadista, cantar ou não cantar fados, não foi essa uma preocupação. A minha preocupação foi servir um canto e servir o outro, qualquer que seja, da melhor forma possível. Não tenho por princípio fazer discos com a ideia de estes serem ou não serem de qualquer coisa ou caixa. Contudo, não seríamos intelectual e musicalmente honestos se disséssemos que a matriz musical do disco está no fado quando não está, apesar de andar muito em voga dizer-se que são dos fados coisas que nunca foram deles. O que podemos dizer com seriedade é que esta obra apela a uma diversidade de matrizes - fado, cante, clássica, rock… - que não aparecem enquanto adornos ou efeitos de uma matriz de base, mas sim enquanto parceiros de conversa. Neste disco podemos encontrar melodias de três fados tradicionais. Os restantes oito temas são cantos dessa natureza variada.
É nessa perspetiva que adicionas um ensemble de cordas?
O quarteto de cordas clássico surge, pois da procura por mais “ingredientes musicais” com os quais pudéssemos “cozinhar” e combinar o trio (também ele clássico) de fado, de forma a podermos cantar/contar e servir as outras naturezas que não só a do fado.
E, de facto, este disco mostra uma variedade e diversidade que não se cinge ao fado. Como é que o descreverias?
Partindo dessa tua ideia de variedade e diversidade, não será isso porventura fora da caixa?! Mas sem que se tenha partido daí ou tentado chegar aí de forma consciente. Assim como se essa variedade e diversidade não fossem um fim em si mesmo.
Como foi o processo de composição destes temas? Foi uma tarefa fluida? Onde te inspiraste?
O ponto de partida foram as Algemas e a epifania sobre estas. Depois seguiram-se diferentes histórias, de diferentes mulheres, até chegarmos a um Vou-me Embora, Vou Partir com a esperança de ser e conhecer. As fontes de inspiração foram, pois as histórias de vida e as relações na figura das mulheres que fazem o disco. Relativamente à fluidez da composição, foi um processo natural de crescimento a amadurecimento. Primeiro surgiu o guião, com o seu conceito e com a sua história, e depois, fomos com tempo, fazendo crescer “o menino sonhado”. No seu todo, foi um processo de três anos desde a sua génese à edição do disco.
O press-release refere que este é um disco de combate. Porquê?
No Lugar Dela poderá ser conceptualizado enquanto disco de combate à malícia dos dias se partirmos da ideia de que essa mesma malícia terá que ver com a tão marcante falta de empatia que vivemos. Desta forma, talvez possamos dizer que todos os temas do disco são de combate à falta, uma vez que tentam promover a empatia enquanto conceito fundamental na nossa condição de sermos (e não termos) humanos.
O disco abre com Algemas e fecha com Vou-me Embora, Vou Partir, como referiste. É este um disco de libertação? De que forma?
Obrigado e fica o registo, com agrado, dessa tua pergunta/definição. Liberdade e inquietação são fundamentais no processo empático e também no pensamento crítico. Sem estes movimentos cristalizamos (assim como a fruta) e não conseguimos ser ou tornar-nos pessoa.
A meio do processo, o produtor José Mário Branco deixou-nos. Como foi completar esta obra, digamos, órfão de produtor?
Infelizmente só foi possível estar com o José Mário Branco no que respeitou à fase de pré-produção. Desta forma, a relação com o Zé Mário foi fundamental nessa pré-produção, assim como terá sido fundamental a relação com os restantes amigos e elementos (mais ou menos conhecidos e/ou escondidos) que fizeram parte deste lugar em todas as restantes fases de construção do mesmo. Depois do luto, o disco fez-se porque foi de muita gente. Da Teresa Muge na revisão da matéria. Do José Mário Branco na pré-produção. Do Sérgio Rodrigues nos arranjos e nas orquestrações. Do Carlos Menezes na produção musical.
ReViraVolta foi a primeira escolha como vídeo. Porquê essa opção, sendo que, na minha opinião, nem é dos temas mais fortes do disco?
A ReViraVolta é a canção de uma mulher que canta os dias não se deixando resignar a eles. Uma mulher que se resolve por ela e com ela mesma. Uma canção com laivos de “saias” do Alto Alentejo. Se quisermos, uma canção sobre a importância da liberdade e sobre o também tão importante pensamento crítico para podermos partir por nós mesmos. Fez-nos por isto sentido que esta pudesse ser uma primeira e possível porta de entrada neste lugar. Quero acreditar que a força do disco estará no seu todo, sem se perder nenhuma das partes.
Há previsões para mais algum vídeo?
Para além do vídeo da ReViraVolta, a Cristina Viana realizou também o vídeo de Mais do Mesmo, o segundo single deste No Lugar Dela. Podem ver esses e outros vídeos no meu canal de Youtube.
Numa altura em quem ninguém compra discos nem livros, o que te fez apostar num produto que é apresentado num disco+livro?
A aposta recaiu não tanto por se pensar um produto, mas antes porque o objeto assim o pedia. Tínhamos a sinopse e o guião. Tínhamos os textos da Teresa Muge, do João Gobern e do Ricardo Pais. Tínhamos as fotografias da Isabel Zuzarte. Tínhamos os desenhos e os vídeos da Cristina Viana. Não faria sentido ser só e mais um disco.
A terminar, mais uma vez obrigado, Duarte, e dou-te a oportunidade de acrescentar algo mais ao que já foi abordado nesta entrevista?
Sou eu quem agradece uma vez mais a conversa e também a escuta deste lugar. Procuremos, pois dias mais leves. Procuremos, pois a empatia, sem deixarmos de pensar criticamente os nossos dias. Assim como se fundamental fosse a empatia.
O ponto de partida foram as Algemas e a epifania sobre estas. Depois seguiram-se diferentes histórias, de diferentes mulheres, até chegarmos a um Vou-me Embora, Vou Partir com a esperança de ser e conhecer. As fontes de inspiração foram, pois as histórias de vida e as relações na figura das mulheres que fazem o disco. Relativamente à fluidez da composição, foi um processo natural de crescimento a amadurecimento. Primeiro surgiu o guião, com o seu conceito e com a sua história, e depois, fomos com tempo, fazendo crescer “o menino sonhado”. No seu todo, foi um processo de três anos desde a sua génese à edição do disco.
O press-release refere que este é um disco de combate. Porquê?
No Lugar Dela poderá ser conceptualizado enquanto disco de combate à malícia dos dias se partirmos da ideia de que essa mesma malícia terá que ver com a tão marcante falta de empatia que vivemos. Desta forma, talvez possamos dizer que todos os temas do disco são de combate à falta, uma vez que tentam promover a empatia enquanto conceito fundamental na nossa condição de sermos (e não termos) humanos.
O disco abre com Algemas e fecha com Vou-me Embora, Vou Partir, como referiste. É este um disco de libertação? De que forma?
Obrigado e fica o registo, com agrado, dessa tua pergunta/definição. Liberdade e inquietação são fundamentais no processo empático e também no pensamento crítico. Sem estes movimentos cristalizamos (assim como a fruta) e não conseguimos ser ou tornar-nos pessoa.
A meio do processo, o produtor José Mário Branco deixou-nos. Como foi completar esta obra, digamos, órfão de produtor?
Infelizmente só foi possível estar com o José Mário Branco no que respeitou à fase de pré-produção. Desta forma, a relação com o Zé Mário foi fundamental nessa pré-produção, assim como terá sido fundamental a relação com os restantes amigos e elementos (mais ou menos conhecidos e/ou escondidos) que fizeram parte deste lugar em todas as restantes fases de construção do mesmo. Depois do luto, o disco fez-se porque foi de muita gente. Da Teresa Muge na revisão da matéria. Do José Mário Branco na pré-produção. Do Sérgio Rodrigues nos arranjos e nas orquestrações. Do Carlos Menezes na produção musical.
ReViraVolta foi a primeira escolha como vídeo. Porquê essa opção, sendo que, na minha opinião, nem é dos temas mais fortes do disco?
A ReViraVolta é a canção de uma mulher que canta os dias não se deixando resignar a eles. Uma mulher que se resolve por ela e com ela mesma. Uma canção com laivos de “saias” do Alto Alentejo. Se quisermos, uma canção sobre a importância da liberdade e sobre o também tão importante pensamento crítico para podermos partir por nós mesmos. Fez-nos por isto sentido que esta pudesse ser uma primeira e possível porta de entrada neste lugar. Quero acreditar que a força do disco estará no seu todo, sem se perder nenhuma das partes.
Há previsões para mais algum vídeo?
Para além do vídeo da ReViraVolta, a Cristina Viana realizou também o vídeo de Mais do Mesmo, o segundo single deste No Lugar Dela. Podem ver esses e outros vídeos no meu canal de Youtube.
Numa altura em quem ninguém compra discos nem livros, o que te fez apostar num produto que é apresentado num disco+livro?
A aposta recaiu não tanto por se pensar um produto, mas antes porque o objeto assim o pedia. Tínhamos a sinopse e o guião. Tínhamos os textos da Teresa Muge, do João Gobern e do Ricardo Pais. Tínhamos as fotografias da Isabel Zuzarte. Tínhamos os desenhos e os vídeos da Cristina Viana. Não faria sentido ser só e mais um disco.
A terminar, mais uma vez obrigado, Duarte, e dou-te a oportunidade de acrescentar algo mais ao que já foi abordado nesta entrevista?
Sou eu quem agradece uma vez mais a conversa e também a escuta deste lugar. Procuremos, pois dias mais leves. Procuremos, pois a empatia, sem deixarmos de pensar criticamente os nossos dias. Assim como se fundamental fosse a empatia.
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