António Chaínho: “A inveja é uma coisa que existe desde sempre”
Durante anos, só se concedeu a essa enorme dor na solidão dos hotéis, pelos quais andou em digressão. Com a mãe, que cantava Amália, começou a tocar, antes de a perder. António Chainho, olhos rasgados, a acusar um antepassado chinês que se perdeu pelo Alentejo, completa uma carreira de 60 anos, enquanto guitarrista. Primeiro no fado, acompanhando os maiores.
Depois como solista profissional. Em “O Abraço da Guitarra”, aquele que diz ser o seu derradeiro álbum, faz um tributo àqueles com quem aprendeu a tocar a guitarra portuguesa. A 24 novembro vai ser possível ouvi-lo ao vivo no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
Como foi o percurso de aprendizagem até ter decidido, por volta dos 20 anos, que o seu destino passava pela guitarra portuguesa?
Comecei por aprender a tocar guitarra muito miúdo, ainda. O meu pai tinha um café na minha aldeia e havia um bilhar. A guitarra estava sempre em cima desse bilhar. Havia muitos conterrâneos meus que tocavam um pouco de fado corrido e cantavam à desgarrada para se entreterem durante a noite. O meu pai era realmente aquele que tocava melhor, que tinha a melhor execução. Foi por influência dele que eu aprendi a tocar a base do fado: o Mouraria, o Fado Corrido e o menor. Fui evoluindo, e aprendendo o restante através da rádio, mas nunca pensei ser um profissional da guitarra. A primeira atuação que fiz, tinha 13 anos. As pessoas ficaram surpreendidas.
Quais foram os seus principais inspiradores? Quem eram os seus ídolos da guitarra na altura?
Eu tinha vários ídolos de guitarra portuguesa, que ouvia através da rádio: a Emissora Nacional e a Rádio Clube Português, em programas transmitidos a partir da meia-noite. Havia uns que eu gostava mais pela maneira como tocavam. O José Nunes tinha um som muito bonito e também o Raúl Nery. Havia mais uns dois ou três com mais virtuosismo. Esses guitarristas tocavam em casas de fado. Recordo-me de ouvir o Jaime Santos tocar na Adega Machado, em programas transmitidos na rádio. Como o meu pai tinha o café que encerrava à meia-noite, eu ficava a ouvir as guitarradas do Jaime Santos, que era a grande vedeta das casas de fado e que evoluiu muito por intermédio de outro grande guitarrista, o Armandinho, que eu não conheci. Só comprei o primeiro disco do Armandinho no Japão, mas percebi e verifiquei que os grandes guitarristas da minha época foram todos beber a esse grande génio que todos consideramos o pai da guitarra de Lisboa.
Mais tarde veio a acompanhar Maria Teresa de Noronha, Lucília do Carmo, Carlos do Carmo, Francisco José, Tony de Matos, António Mourão, Frei Hermano da Câmara ou Hermínia Silva. Como surgiram estas oportunidades que contribuíram certamente para que o seu nome ganhasse uma dimensão considerável no panorama musical português e até internacional?
Há 50 anos, quando vim para Lisboa, tive a sorte de conhecer grandes fadistas porque estive seis meses na Severa. Conheci o Alfredo Marceneiro, a Lucília do Carmo, o Carlos do Carmo, que entretanto, se tinha formado e estava a gerir o Faia. Naturalmente formei o meu conjunto de guitarras. Era muito solicitado para acompanhar as grandes vozes do fado da época. Foi assim que acabei por acompanhar praticamente todos os fadistas em Portugal. Costumo dizer que, atualmente, estou na terceira fase da minha carreira. A primeira fase foi quando acompanhava toda a gente. A segunda fase foi aquela em que eu pensei abrir uma escola de ensino de guitarra portuguesa. Esta fase, a terceira, é a que estou agora, a tentar promover e divulgar a guitarra portuguesa.
Recorda-se das suas primeiras atuações fora do país? Sentia que a guitarra portuguesa era um instrumento muito admirado no estrangeiro?
Recordo perfeitamente. A primeira vez que saí de Portugal foi para a Dinamarca. Eu cheguei a Lisboa há cinquenta anos, e quase dois anos depois, fui à Dinamarca onde estive mais de um mês. Foi através do restaurante Folclore (que é hoje, a maior sala da Cervejaria da Trindade) e que tinha um espetáculo para turistas, com um apontamento de guitarra portuguesa e fado. Essa foi a primeira vez que toquei fora do país, numa grande sala de espetáculos em Copenhaga. Pouco tempo depois, fiz parte duma digressão que percorreu os Estados Unidos e Canadá.
Alguma vez sentiu que o facto de considerar que a guitarra não tem que “gemer sempre baixinho” poderia ser um fator menos apreciado por alguns setores do mundo artístico?
A guitarra, até certo ponto, esteve sempre em segundo plano. Quem cantava, era sempre o artista em referência. As coisas estão diferentes hoje, as pessoas já estão mais atentas ao acompanhamento. Antigamente, até nas atuações em televisão, as câmaras focavam apenas os cantores. Era raro focar o guitarrista ou o viola, quando o grande trabalho, por vezes, até era feito por eles.
Dividiu o palco com grandes nomes como Paco de Lucia e John Williams? Conviveu de perto com eles? Como sentia que era visto por estes músicos?
Nunca mais me esqueço que o Paco de Lucia, quando lhe emprestei a guitarra, esteve uns minutos a tentar tocar e não conseguiu. Chamou-me “louco”, “Tu és louco, esta guitarra é muito complicada”!
O John Williams era considerado o melhor guitarrista clássico, aluno do grande André Segóvia.
Com o Paco de Lucia estive duas vezes e com o John Williams só estive
uma vez. Este chegou também a pegar na guitarra, mas não tocou. Com o
John Williams nunca cheguei a tocar em espetáculos.
Em 60 anos de carreira haverá certamente muitos outros pontos
altos que não tenhamos referido. Pode partilhar mais alguns momentos que
não se possam dissociar da História do Guitarrista Português António
Chainho?
Foram 50 anos, e claro que o trajeto não foi fácil.
Costumo dizer que para tudo na vida é preciso sorte, e eu tive sorte.
Acompanhei grandes artistas a nível mundial e tive a sorte de ser
destacado pela revista Songlines nos seus 50 anos, numa seleção de 50
músicos o que, até certo ponto, conferiu-me reconhecimento
internacional. Em relação à guitarra portuguesa, sinto que fiz tudo o
que queria fazer. Sobretudo, o que foi mais importante, foi abrir a
primeira escola de ensino da guitarra portuguesa em Portugal, um projeto
que nasce com uma entrevista minha a um jornal onde disse que a
guitarra portuguesa tinha tendência em acabar, e que acabou por dar
origem ao museu do fado.
Qual é o legado que pensa ter deixado às novas gerações de
guitarristas? Há alguns conselhos que deixe aos jovens músicos que agora
iniciam o seu percurso artístico?
Não tenho dúvida nenhuma
que em termos de guitarra portuguesa, quem decidir aprender é porque
gosta. E para ser um bom profissional tem que trabalhar muito, porque é
um instrumento muito difícil e muito complicado. O apelo que faço a
todos os jovens guitarristas é comporem para a própria guitarra. Hoje já
há muito bom trabalho e tudo o que vier em prol da guitarra portuguesa é
bem-vindo. Que todos os jovens que apareçam a tocar trabalhem muito. E
com o trabalho surgem ideias a bem da guitarra portuguesa.