Cristina Branco - Não há só tangos em Paris
Records - Março 24, 2011
Olhar para uma cidade e ver outra. Ouvir uma música e escutar outra.
Cantar aquilo que transborda da alma e cada frase sair, inesperadamente,
com legendas.
E nisto, neste desajuste entre realidade e projecção, perceber um caminho, pressentir uma ligação e ganhar um concurso público para a empreitada de uma obra de engenharia que ligue os dois pontos. Exemplificando: olhar para Lisboa e ver Buenos Aires. Ouvir um tango e escutar um fado.
Cantar um tema de Gardel como se fosse de Amália. Seguir as notas em cascata da guitarra portuguesa de Carlos Paredes como se fosse o bandonéon de Astor Piazzolla. Foram estes reflexos "falsos" que Cristina Branco quis trazer para o seu "Não Há Só Tangos em Paris". A ideia - de coser os universos destas duas canções - não é nova. Mas é nova enquanto ideia de Cristina Branco. E isso justifica-a por si só.
Mas à fadista, como sempre acontece, não lhe chega esboçar um encontro de músicas que, por obra do acaso, se encontrem debaixo de um qualquer tecto comum ao resguardarem-se momentaneamente de uma intempérie. Daí que nessa busca de pontos de confluência, Cristina Branco insira aqui uma terceira coordenada, a de Paris, com dois sentidos evidentes: o primeiro, da ordem conceitual, diz respeito à ideia de exílio, de expatriados, da música enquanto reduto identitário e memória última das origens; a segunda, da ordem da interpretação e bem mais prática, diz-nos que aqui há tangos, é verdade, mas que são cantados por alguém que se encontra, igualmente, fora do seu perímetro de segurança. Os tangos - tal como os fados -, em quem não os canta desde sempre, são comandados por um tactear intuitivo na interpretação, a que importa mais apreender-lhe o tom do que aprender-lhe as voltas. Paris permite ainda trazer à baila Baudelaire, enquanto evocador da viagem constante de "Não Há Só Tangos em Paris", e dessoutro francês "por empréstimo", Brel, com um tema - "Les Désespérés" - também ele a pensar nos barcos a transbordar de gente à procura de melhor sorte.
Sabiamente, portanto, Cristina Branco lança-se aos tangos como se fossem fados, aos fados como os seus fados (belissimamente enviesados, devidamente descolados da mais castradora tradição), e no meio disto inventar um disco espantoso, despido, brilhantemente ajudado pelo acordeão de Ricardo Dias e do piano de João Paulo Esteves da Silva. Como canta em "Não É Desgraça", por mais voltas que dê, Cristina branco tem "o fado teimosamente no coração e na boca". Mas para bem de todos nós, o seu fado, de uma elegância extrema, permanece feito de uma matéria de pura elegância, uma provocação aos sentidos que casa na perfeição com a ideia de tango.
Mais uma vez, Cristina Branco atira-se para fora de pé, mas rapidamente reclama como seu mais um pouco de território estranho.
Cantar um tema de Gardel como se fosse de Amália. Seguir as notas em cascata da guitarra portuguesa de Carlos Paredes como se fosse o bandonéon de Astor Piazzolla. Foram estes reflexos "falsos" que Cristina Branco quis trazer para o seu "Não Há Só Tangos em Paris". A ideia - de coser os universos destas duas canções - não é nova. Mas é nova enquanto ideia de Cristina Branco. E isso justifica-a por si só.
Mas à fadista, como sempre acontece, não lhe chega esboçar um encontro de músicas que, por obra do acaso, se encontrem debaixo de um qualquer tecto comum ao resguardarem-se momentaneamente de uma intempérie. Daí que nessa busca de pontos de confluência, Cristina Branco insira aqui uma terceira coordenada, a de Paris, com dois sentidos evidentes: o primeiro, da ordem conceitual, diz respeito à ideia de exílio, de expatriados, da música enquanto reduto identitário e memória última das origens; a segunda, da ordem da interpretação e bem mais prática, diz-nos que aqui há tangos, é verdade, mas que são cantados por alguém que se encontra, igualmente, fora do seu perímetro de segurança. Os tangos - tal como os fados -, em quem não os canta desde sempre, são comandados por um tactear intuitivo na interpretação, a que importa mais apreender-lhe o tom do que aprender-lhe as voltas. Paris permite ainda trazer à baila Baudelaire, enquanto evocador da viagem constante de "Não Há Só Tangos em Paris", e dessoutro francês "por empréstimo", Brel, com um tema - "Les Désespérés" - também ele a pensar nos barcos a transbordar de gente à procura de melhor sorte.
Sabiamente, portanto, Cristina Branco lança-se aos tangos como se fossem fados, aos fados como os seus fados (belissimamente enviesados, devidamente descolados da mais castradora tradição), e no meio disto inventar um disco espantoso, despido, brilhantemente ajudado pelo acordeão de Ricardo Dias e do piano de João Paulo Esteves da Silva. Como canta em "Não É Desgraça", por mais voltas que dê, Cristina branco tem "o fado teimosamente no coração e na boca". Mas para bem de todos nós, o seu fado, de uma elegância extrema, permanece feito de uma matéria de pura elegância, uma provocação aos sentidos que casa na perfeição com a ideia de tango.
Mais uma vez, Cristina Branco atira-se para fora de pé, mas rapidamente reclama como seu mais um pouco de território estranho.
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