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Mariza - Transparente

Records - Novembro 28, 2006
EMI Music / 2005
Por nome é Meu fado meu. Não é o primeiro raio de sol de Transparente. Mas foi primeiro single – ou o que lhe chamam. É arrebatador e desarma qualquer alma.

Caindo nos seus braços, escrevo: volta-nos transparentes. Ou: arrepia os braços, as costas, o nariz. Se lhe afirmo que conhecia já a voz, que não me consegue bulir, refuta-me com a sua voz forte e doce, largando-me, de novo, à paixão imensa que me transpira à sua presença.

A começar – que não nas televisões ou nas rádios – está Há uma música do povo. Poema de Fernando Pessoa. Perfeito de entrada. Sublime de abrir muito os olhos ao sonho, ilustrado pelas paisagens do Portugal bonito, intocado, esquecido, negligenciado pela força do desenvolvimento – e, há vezes, ainda bem. Depois Meu fado meu. Mariza transparece-nos, peça a peça: não saímos mais; quando o fizermos é na plena bebedeira de Baudelaire.
Recusa é irreverência. Ao fado puritano, queimado ao toque da reinvenção das coisas – da boa. Fá-lo pelas palavras, recusando a tristeza e a fatalidade a que se casa por convenção o fado; não pela música. E, ali, mais à frente – já passaram, como num rio, Quando me sinto só e Montras –, na sua voz de menina mais bonita do mundo – agora, que a ouço –, Mariza canta (ou escreve-se pinta?) um dos mais bonitos poemas na língua em que fala a Mouraria: Há palavras que nos beijam, de Alexandre O’Neill.
Conta-nos da avó, em trejeitos autobiográficos: Transparente. Assinado pela dupla Paulo Abreu Lima e Rui Veloso. De belo ritmo de cor do sol da África que canta. Fado português de nós é mais uma bela peça de Paulo de Carvalho, desta feita dançante, com sabores a sardinhas na broa, a vinho tinto na malga. E Malmequer, de Aldina Duarte, a sangrar a voz que enche, derrama, nos afoga.
O Medo é inevitável. Seja sentimento ou música. Do sentimento temos-lhe o odor fluentemente. Para Mariza será também a reconstituição – mais uma alusão e homenagem – da sua antecessora, a que lhe abriu caminho: Amália Rodrigues. E larga-nos para uma recta final; um fim que não desejamos.
A terminar estão a Toada do desengano das palavras de Vasco Graça Moura; Fado Tordo de Fernando Tordo – seu, muito seu: quase lhe vemos o franco sorriso por trás –; as Duas lágrimas de orvalho de Mariza e Morelenbaum – só os dois, cúmplices: voz e violoncelo –; e Desejos vãos a nascer de Florbela Espanca, musicados por Tiago Machado. Mais não fazem que a vontade de outra e outra vez, numa entrega incessante ao desejo, à paixão.

Transparente
é o terceiro disco de originais de Mariza, depois dos enormes sucessos, aclamações, de Fado em mim (2001) e Fado Curvo (2003). Jaques Morelenbaum (companheiro noutros tempos de Madredeus, Caetano Veloso, Ryuichi Sakamoto ou Tom Jobim) trabalhou com a artista portuguesa (ou moçambicana: somos do mesmo, de um mundo que nos guarda), produzindo este álbum, que escreveria ser o da consagração de Mariza, não desconfiasse eu com muita força que o próximo me leve a escrever o mesmo.


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