Portal do Fado

Aos 25 anos de vida já leva dez de carreira e seis discos editados. Neste momento sente-se uma fadista especial?

Não, sinto que tenho crescido imenso mas que ainda tenho muito que aprender. Comecei, efectivamente, muito nova, e até acho que fui bastante precoce na chegada ao fado. Mas tenho aprendido muito diariamente pelo facto de trabalhar numa casa de fados.

 

O que tem aprendido?

Graças ao contacto com os músicos e com os fadistas mais velhos, tenho dado mais importância às palavras e aos poemas, mais do que à música ou às melodias, como acontecia quando eu tinha 12 anos. Neste momento, passar a mensagem às pessoas é o que mais me fascina, e é assim que eu me considero como fadista.

 

A Joana é natural de Santarém. Que relação tem hoje com Lisboa?

Tenho uma paixão enorme por Lisboa. Quando era miúda tinha um grande desejo de viver em Lisboa, talvez pelo imaginário do fado. Aos 17 anos consegui, então, convencer os meus pais a deixarem-me vir para cá viver sozinha, para estudar e para estar mais perto do fado.

 

O que é para si o fado?

O fado é um mistério, não se explica, não se ensina e não se aprende. Como diz a canção, é uma espécie de duende que domina a nossa alma. E, realmente, eu estou dominada pelo fado desde criança. O fado, para mim, é vida.

 

Aquele conceito do fado como uma estranha forma de vida ainda faz sentido?

Penso que sim. A Amália esteve mesmo brilhante nesse poema. O fado é mesmo para mim uma forma de vida, canto em Alfama e o fado está sempre presente. É quase uma necessidade que eu tenho, como respirar. E é engraçado ver que há muitos jovens a aderir ao fado. Há um grupo que até criou um clube de fãs para mim e tudo.

 

Pois, e as mentalidades mudaram bastante! Antigamente o fado era quase um género maldito. As mulheres que cantavam fado eram muito malvistas...

Felizmente que isso mudou. Hoje somos todas pessoas normais (risos).

 

Já disse por várias vezes que defende a tradição do fado. Isso quer dizer o quê, concretamente?

Quer dizer que gosto muito de pesquisar músicas antigas, colocar-lhes novos poemas e conferir-lhes o meu cunho pessoal. É importante trazer novas coisas para o fado, para não o deixar morrer, novas interpretações, novas roupagens...

 

É possível cruzar o fado com qualquer género musical? Um fado com batida hip-hop, por exemplo?

Já há uma experiência do género, do Sam the Kid com o Jorge Fernando.

 

Choca-a esse tipo de abordagens?

Não, julgo que são sempre enriquecedoras, apesar de isso não ser fado. Mas penso que tudo enriquece o fado.

 

Considera que o fado está na moda?

Desde a morte da Amália que houve, realmente, um grande boom do fado. Mas também há projectos que se dizem de fado que depois não o são.

 

Há muito marketing à volta do fado?

Também há, mas isso é bom porque há muitas vozes novas para promover.

 

Chegou a estudar Antropologia. O que pretendia fazer com esse curso?

Não consegui acabar (risos). A minha primeira escolha era Ciências Musicais mas, como eu não tinha os pré-requisitos todos, tive de escolher outra coisa. E optei pela Antropologia porque também estuda a sociedade e as tradições.

 

Aos 12 anos participou na Grande Noite do Fado. O que é que ainda existe, de facto, daquela menina fadista que foi ao concurso?

Existe sempre a alegria de cantar.

 

Do que se recorda?

Tudo. Nunca vou esquecera quela noite, até porque foi a primeira vez que pisei o Coliseu dos Recreios. Nem nunca tinha cantado com microfone. E recordo-me também das senhoras com os cestos de rissóis e croquetes (risos).

 

Porquê o fado e não outro género musical?

Não sei (risos). Comecei a cantar com seis anos e surpreendi toda a gente quando ainda nem sequer tinha consciência do que estava a fazer.

 

O fado acaba por ser um género muito adulto. Como é que os seus amigos viam essa sua paixão pelo fado?

Achavam estranho, mas também acho que, de alguma forma, contribuí para que eles se aproximassem do fado. Quando havia festas lá na escola cantava sempre.

 

E como é que foi a sua infância?

Normal, lá por ser fadista nunca deixei de brincar, como qualquer outra criança da minha idade.

 

Que futuro prevê para o fado?

Prevejo que o fado está muito bem assegurado. Há bons instrumentistas e muito boas novas vozes.

 

Quem é para si o grande ícone do fado?

Era a Amália. Era mesmo uma diva maravilhosa.

 

Que memória viva tem de Amália?

Tive a sorte de conseguir estar no lançamento do livro de poemas dela, no Mosteiro dos Jerónimos, e de ter conseguido pedir-lhe um autógrafo (risos). Aquela coisa de ter um autógrafo que diz 'Um beijinho, Amália' é algo que vou guardar para sempre.

 

Como é que gostava de ser recordada daqui a uns anos?

Como Joana Amendoeira (risos), com aquilo que tenho para dar às pessoas. Tenho muitos sonhos, entre os quais uma parceria com o Carlos do Carmo, por exemplo.