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Cuca Roseta: Não acredito que um fadista que cante uma letra que não viveu consiga emocionar alguém.

Entrevistas - Maio 20, 2013
Cuca Roseta é uma estudiosa do Fado. Procura no baú antigo, cria canções suas, vindas da sua alma e prontas para bater nas emoções de quem ouve a sua essência.

"Raiz", o segundo álbum, é fruto do seu crescimento, como fadista e autora.
Feito de Fados temáticos e uma Marcha dedicada a Amália, é tão fresco quanto profundo e canta "a verdade". O Palco Principal sentou-se à conversa com Cuca Roseta, em busca dessa mesma "verdade".

Palco Principal – De repente, a Cuca Roseta do Pop e do Rock, a mesma que fez parte do início de carreira dos Toranja, aventura-se nos meandros do Fado. Como se deu essa transição?

Cuca Roseta – Foi uma coisa muito fácil. Eu sou uma pessoa de desafios – tudo o que difícil, eu quero; tudo o que é fácil, não acho graça. Eu gostava de cantar Pop e Rock, mas são géneros que não são tão profundos como o Fado. O Fado é um desafio constante. Para o cantares verdadeiramente, tens que cantar letras que te digam alguma coisa, tens que cantar o que estás a viver no momento. É engraçado que as pessoas não têm muito a noção de que o Fado é um bicho-de-sete-cabeças. É a dicção, é a interpretação, é a cumplicidade entre os músicos - para todos passarmos a mesma emoção e chegarmos ao público com muita força, tem que haver cumplicidade. Mais do que mostrar a voz, há que mostrar a história através da voz, mostrar a alma, encontrar a verdade. Quando comecei a cantar Fado, disse logo: “Eu quero cantar Fado para lá do hobbie”.


PP – E lá se foi o curso de psicologia…

CR – Queria mesmo ser psicóloga! Mas depois o Fado chegou e chamou-me. Até ao Gustavo Santaolalla me ter feito uma proposta irrecusável, queria ser psicóloga e cantar Fado. E o que me fez procurar a psicologia foi, precisamente, gostar de observar o comportamento humano, gostar de perder tempo da minha vida a falar sobre pessoas. Pensando que não, a psicologia e o Fado transformam uma coisa que passou, quer seja uma conversa ou uma atitude, numa história, num mundo. Mas depois comecei a perceber que nasci para cantar Fado. O Fado passou a ser vida.


PP – Isso de achares o Fado “música de velhinhas” já faz, portanto, parte do passado…

CR – Bolas! (risos) Durante uma certa altura, lembro-me de que os discos de Fado eram cantados por pessoas mais velhas. Para além disso, as letras falavam sobre quem já tinha vivido muito, o que atraía pessoas de gerações mais velhas, com mais maturidade. O Fado foi marcado por esse preconceito. Ainda hoje, tenho amigos que me dizem: “Tu cantas essa música? Essa música não é para quem se queixa?”. Não, não é. Sou uma pessoa extremamente positiva e não sou, de todo, uma pessoas que gosta de se queixar e falar sobre tristeza. Gosto muito de falar sobre sentimentos, emoções, e o Fado, sendo o espelho da alma, passa por tudo isto.


PP – “Raiz” é o título do novo álbum. Como surgiu?

CR – Foi um título que demorei a encontrar, mas que acho perfeito. Existe uma grande relação entre mim e a natureza – uma relação que se pode ver na capa do disco e nas imagens que estão lá dentro. Existe, também uma ligação entre o Fado e a natureza. Para mim, o Fado verdadeiro é aquele que é cru, que não tem maquilhagem, que é puro de essência. Ao fazer um disco todo meu, fui um pouco à minha raiz e essa raiz é a mesma raiz do Fado. Fiz as músicas de início – todas elas. Quando as fiz, podiam ter saído mais pop ou jazz, mas o que me fez sentir em casa foi a passagem pelo Fado Menor, Fado de Revista, por uma Marcha, enfim, por vários géneros de Fado, sem dúvida mais frescos, que são o meu tipo de Fado.

PP – Fizeste as músicas de início, todas elas. Não é algo muito habitual para um fadista, pois não?

CR – Não, não é nada habitual. Foi uma descoberta muito gira para mim própria porque, até hoje, não houve nenhum ou nenhuma fadista que tivesse feito a música e a letra do disco. Nesse sentido, a palavra raiz tem muita força. O Fado é a verdade, no sentido em que a pessoa tem que dar o máximo de si. Neste disco dou tudo de mim, como compositora e como autora.


PP – Fado do Contra é o primeiro single. Porquê este tema para apresentar o disco?

CR Fado do Contra descreve aquilo que eu penso acerca do Fado. Começa logo por dizer às pessoas que sim senhora, o Fado é triste e é saudade, mas também é vida, liberdade, beleza, melancolia, ironia… Fazia todo o sentido, pela sua letra, que fosse esta a música escolhida para apresentar o álbum.


PP – É um tema muito dançável, mas esse tom não se mantém ao longo de todo o álbum, certo?

CR – Há um bocadinho de tudo no álbum. Fiz questão disso porque o Fado tem esses lados todos. O Fado Menor é de grande seriedade e respeito pela nostalgia; depois há o Fado com cheiro a África e a música cigana; há uma Marcha que é típica e que te transporta para as Marchas de Lisboa; há um Fado meio jazz – o Fado de Inverno. Quis que fosse um álbum mais alegre, mais airoso. Normalmente, os discos de Fado incluem dez temas mais lentos e dois ou três mais animados. O meu é 50/50. Há um tema – o Fado Menor – que é realmente forte. Os outros são mais leves e tranquilos.


PP – No meio de tantos Fados, eis que surge uma Marcha…

CR – Fados para cima, Fados para baixo e a Marcha ali no meio, é verdade. Queria mesmo fazer um tema assim e, para isso, tinha que o chamar pelo nome que tem. A Marcha da Esperança é uma homenagem a Amália Rodrigues, que continua a ser a minha fadista de eleição. Mais do que fadista, era uma poetisa incrível, uma mulher incrível, era, realmente, uma pessoa da qual nos devemos orgulhar. Não havia nenhuma Marcha a honrar a Amália, que cantou milhares de Marchas. Então fiz uma.


PP – Quais as principais diferenças que podemos encontrar entre “Raiz” e o teu álbum de estreia homónimo?

CR – O caminho é outro. No meu primeiro disco, seguia por um caminho de intérprete, que é comum a muitos fadistas que adotam Fados e letras de outros poetas como as suas próprias histórias. Eu estava nesse caminho e, de repente, para surpresa minha, fui para o lado quase oposto. Apesar de haver uma ligação, são duas praias diferentes. Agora tenho uma curiosidade diferente, que é fazer música. Gosto de fazer música. Tenho curiosidade em ver o que há mais, para onde vou, em descobrir qual é, realmente, o meu Fado. É muito gira esta descoberta. É uma coisa nova, que não existia no outro disco. A procura da verdade já existia, mas aqui desço dez degraus em profundeza. Agora tenho armas para ir mais fundo.

PP – Que verdade é essa de que falas?

CR – É uma verdade que tem sempre um véu. Não acredito que um fadista que cante uma letra que não viveu consiga emocionar alguém. Existem muitos fadistas a cantar que debitam letras e tu vês que aquilo não diz nada, é muito mecânico. Infelizmente, isso encontra-se muito, mas isso não é Fado. O Fado bate quando a pessoa vai buscar alguma coisa ao seu interior. Tem a ver com uma experiência que vives. Pode doer-te voltar lá, ou até deixar-te eufórica, mas tens que voltar sempre, como se estivesses a viver essa experiência nesse momento. A vida de fadista é uma vida na corda bamba, vives emoções constantemente. É essa verdade que no “Raiz” me dá tanto prazer, pois não está só na interpretação – sinto-a na minha pele.


PP – Cantar em casas de Fado ou em salas mais amplas? O que preferes?

CR – Ambas. São situações completamente diferentes. O fadista está nos dois sítios com o mesmo sentimento, com a mesma força, mas a experiência que as duas situações nos proporcionam são diferentes. É mais difícil cantar para milhares de pessoas e estar atento à energia do público. Por outro lado, é mais fácil cantar com microfones e com músicos aos quais já estamos habituados – já está tudo lá, já há cumplicidade. Nas casas de Fado, por seu lado, há o improviso, o desafio. O fadista chega lá, toca com músicos com quem nunca tocou, pede uma música qualquer, num qualquer tom, mas perde algumas coisas, pois não há cumplicidade. Mas ganha emoções, no momento, com pessoas novas. Cantar perto das pessoas é uma coisa que adoro.


PP – Gostas de cantar para estrangeiros?

CR – Fascina-me cantar para estrangeiros. A magia do Fado vê-se quando tu cantas para estrangeiros e o Fado lhes bate com uma força impressionante, mesmo sem eles entenderem nada. Não percebem, mas reagem à música, choram, emocionam-se… e agradecem.


PP – Foste convidada a interpretar Novo Fado da Severa no filme “Fados”, de Carlos Saura. Guardas boas memórias dessa experiência?

CR – Foi uma das experiências mais bonitas da minha vida. O Carlos Saura é um artista fabuloso e eu era muito pequenina, em termos profissionais, para fazer aquilo. Queria muito ser profissional, então estudei e dediquei-me. Aquela cena tem uma inocência que é linda. Gosto mais dessa música do que do meu primeiro disco. O meu disco de estreia já não está atualizado e aquela música vai continuar a estar – é tão minimalista, tão inocente… Eles queriam uma fadista nova para cantar o Novo Fado da Severa e foi uma honra. O meu filme favorito é o “Ibéria”, do Saura, e uso-o como inspiração antes de cantar nos meus concertos.


PP – Não só do Fado vive Cuca Roseta, suponho. Que outras sonoridades aprecias?

CR – Tenho cinco artistas que admiro muito: Nat King Cole, Edith Piaf, a mexicana Chavela Vargas e o Frank Sinatra, além da Amália Rodrigues. São ícones para mim. Sara Fidalgo



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