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Filipa Cardoso: "Não seria outra coisa que não fadista"

Entrevistas - Setembro 15, 2015
Em entrevista, entre outras coisas a fadista Filipa Cardoso confessou-nos que o fado actua sempre sem rede.

Numa altura em que o fado anda, mais do que nunca, pelos palcos do Mundo, é importante devolver o fado aos bairros e aos espaços típicos?
É importante, porque nem todas as pessoas têm a oportunidade de pagar bilhete para ouvir fado nos grandes palcos ou mesmo nas casas de fado. Estas iniciativas são sempre de louvar, porque o fado não chega a todas as carteiras. Muitos países têm festivais dedicados à sua música de raiz, e a nós faltava-nos este.

Cantar em Portugal é muito diferente de cantar no estrangeiro?
Cada público tem uma reação diferente. Na Áustria, por exemplo, o público é muito sereno durante todo o espetáculo, mas no final não nos deixa ir embora. Chegamos a ter de voltar três vezes ao palco. Já os espanhóis passam o espetáculo todo a gritar ‘bravos’ e ‘olés’ com muitas palmas, mas em muitos casos se calhar nem nos pedem para voltar. Cada concerto é um público.

Como é que explica o sucesso do fado lá fora?
Explica-se pela emoção. O fado é um estado de alma, com melodias lindíssimas. No Carnegie Hall, eu tive uma americana que veio ter comigo a dizer que não tinha percebido nada do que eu tinha cantado, mas que tinha chorado o tempo todo. É difícil explicar, porque eu própria quando canto também não tenho tempo para pensar. Deixo-me levar pela letra, pela melodia, pelos músicos que me acompanham…

… emociona-se muito a cantar?
Muito, a ponto de chorar. Eu até já chorei a cantar uma marcha.

Alguma vez teve de parar um espetáculo por estar emocionada?
Aconteceu-me uma vez em Espanha, em que eu voltei ao palco para cantar um fado que habitualmente não canto, que é o Fado Menor, que para mim é o rei dos fados. Quando regressei, o público estava todo de pé. Foi muito emocionante.

O fadista atua sempre sem rede?
Sempre. Ou vamos despidos ou então não passamos nada.

E faz alguma preparação especial para os espetáculos?
Não. Para mim, o fundamental é ter uma equipa com quem me entenda bem, porque os músicos são 50 por cento do espetáculo. Eu não conseguiria fazer um concerto com músicos que não conhecesse bem e de cara trancada. A partilha e a entrega para mim são fundamentais.

A sua carreira discográfica não é condizente com os anos que tem de trabalho. Não gosta do estúdio ou tem sido falta de oportunidade?
Hoje há muito poucas oportunidades para gravar discos. São precisos orçamentos grandes, e cada vez mais as editoras cortam em pôr discos cá fora. Mas eu também percebo o lado delas, porque cada vez há menos gente a comprar discos. Mas se Deus quiser para o ano já cá tenho um álbum novo.

E já dá para revelar alguma coisa?
É um disco que não vai estar muito longe daquilo que eu sou, mas que não tem só fado tradicional. Eu não seria outra coisa que não fadista, nem quero. Tenho a noção de que não saberia cantar outra coisa, mas dentro do fado há um leque enorme de coisas que se podem cantar, como o folclore, as marchas, os fados musicados. Ou seja, no novo disco vou estar menos presa ao tradicional. Vai ser um disco mais livre.

E porquê o fado e não outro género qualquer?
Esse é o grande mistério que eu não consigo explicar. Essa pergunta já me faziam as minhas colegas de escola. Quando eu cantava, tudo tinha a ver com marchas e com fados, porque também era o que se ouvia lá em casa.

Recorda-se da primeira vez que ouviu um fado?
Sim. Foi um de Fernando Maurício. Devia ter uns seis ou sete anos.

E como é que uma criança com essa idade se deixa arrebatar por uma música como o fado?
Eu sempre andei pelos ambientes do fado, graças à minha avó e à minha tia. Elas é que me levavam aos teatros, às revistas e às casas de fado. Lembro-me de uma vez ir a uma coletividade perto de onde moro e de estar lá a cantar um senhor chamado Fernando Maurício, que na altura muitos chamavam o rei do fado.

E como é que foi essa experiência?
Recordo-me de que estava com muito sono e que me deitei no colo da minha avó numa cadeira. Antes de ele começar a cantar, ela acordou-me e disse: "Filipa, vai cantar o Fernando Maurício, levanta-te que vais gostar." Lembro-me de que, de olhos fechados, o ouvi como se estivesse a ouvir contar uma história. E fui-me levantando à medida que ele ia cantando. Foi aí que eu percebi que através do fado se podia contar histórias.

Vem de uma geração para a qual era 'foleiro' gostar de fado. Há fadistas que dizem que ouviam fado às escondidas dos amigos!
Não. Eu nunca ouvi fado escondida. Aliás, eu ainda não era fadista e todos os meus amigos já me chamavam como tal. E eu tinha orgulho nisso.

Mas durante muito tempo os jovens sempre tiveram um certo preconceito contra o fado!
Sim, a mim chamavam-me velha, diziam-me que aquilo era música para velhos.

E como é que respondia a isso?
Eu dizia-lhes sempre: ‘Vocês nem sabem!’ [risos]. Curiosamente, hoje em dia esses meus amigos da escola vão ver os meus concertos.

Mas hoje as coisas estão diferentes. Os jovens passaram a interessar-se pelo fado porque o fado também se soube abrir!
Sim. Mas isso é maravilhoso. Gravar, por exemplo, com músicos brasileiros, como muitos têm feito, ou gravar com outro tipo de instrumentos, acho lindo, acho fantástico.

E isso quer dizer que existe o tão falado fado novo?
Não. Não há fado novo. Fado é fado. O que há são novas roupagens, há inovações, mas isso sempre houve. Já a Maria da Fé, há não sei quantos anos, fez um disco com bateria.

E há limites para essas novas roupagens?
Não. O fado pode estar onde nós quisermos. E depois ninguém sabe dizer o que é o fado realmente, onde é que ele nasceu, como começou. Há muitas teorias, mas em concreto ninguém sabe explicar. E essa é a grande beleza do fado: o mistério.

"Queria ser obstetra"

Recorda-se da primeira vez que cantou fado em público?
Foi no casamento de uma prima. Peguei no microfone e comecei a cantar um fado a cappella. Mas eu sempre cantei para a família depois da hora do café ou do chá. Eu pedia mesmo: "Agora apresentem-me que eu vou cantar."

E quando é que percebeu que esse seria o caminho a seguir?
Isso foi bem mais tarde. Quando era miúda, queria ser obstetra, mas como sou péssima a matemática a coisa ficou pelo caminho. Aos 16 anos, fui ao aniversário de uma colega minha, que era neta de Raul Silva, um violista de fado, que me pediu para cantar com o avô. Eu só sabia um fado da Hermínia Silva, A Sina. Cantei e o senhor disse-me logo: "À noite vens comigo à Taverna do Embuçado." Fui pedir autorização à minha mãe e lá fui eu. Quando cheguei, quem é que encontrei? Paquito e Ricardo Rocha, dois monstros. Quase nem merecia a pena cantar só para os ouvir [risos]. Fui logo contratada. Quase ao mesmo tempo, comecei a cantar também na Taverna d’El Rey.

Mas houve uma altura em que esteve dez anos afastada. Porquê?
O meu namorado da altura, que é o pai da minha filha, não gostava muito de que eu andasse a cantar e que andasse a expor-me. E depois, como ainda estava a estudar, afastei-me nove anos. Mas foi por opção. Eu achava que o fado era tão grande que não tinha estrutura para o suportar. Nove anos depois, voltei, ganhei a Grande Noite do Fado e entrei no Sr. Vinho, que é a grande universidade do fado. A Maria da Fé foi a pessoa que mais me ajudou. CM



 



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